
No dia 4 de fevereiro deste ano, portanto há quase 8 meses, o Ministro da Justiça Sérgio Moro apresentou a governadores um projeto anticrime com propostas de alterações em 14 leis. Discutido dentro do Governo, apresentado aos governadores, submetido ao crivo crítico de um sem número de técnicos e operadores do Direito, o conjunto de leis foi encaminhado ao Congresso Nacional duas semanas depois. A sociedade brasileira havia externado na eleição, com muita energia, que a corrupção e a segurança pública estavam entre os quatro maiores problemas do país.
Aquilo que se convencionou chamar simplesmente de Projeto de Lei Anticrime, registra no seu Art. 1º : "Esta Lei estabelece medidas contra a corrupção, o crime organizado e os crimes praticados com grave violência à pessoa". Vai exatamente ao encontro do que anseia profundamente o conjunto da sociedade. Todos estamos fartos de figuras da alta administração do país envolvidos em desvio de recursos públicos, privilégios imorais e muitas vezes ilegais, além da absurda violência que permeia o dia a dia das nossas vidas.
Desde o início, identificamos uma flagrante má vontade do Presidente da Câmara com o conjunto de projetos. Há quem diga que se você não quer que determinado assunto prospere, crie um grupo de trabalho. Foi exatamente o que Rodrigo Maia fez. Com efeito, em 14 de março a imprensa divulgou a seguinte notícia:
"Em um revés para o ministro da Justiça, Sergio Moro, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), travou a tramitação do pacote de medidas de endurecimento de penas e de combate ao crime, proposto, em fevereiro, pelo ex-juiz da Lava Jato.
Em despacho feito na última quinta-feira (14), Maia determinou a criação de um grupo de trabalho para analisar o chamado projeto de lei anticrime de Moro e duas outras propostas correlatas que já tramitavam na Câmara.
Como o grupo de trabalho tem o prazo de 90 dias para debater as matérias, na prática Maia suspendeu momentaneamente a tramitação da maior parte do pacote legislativo do ministro da Justiça.
A Comissão Especial para discutir o projeto anticrime de Moro só deve ser instalada após a conclusão dos trabalhos do grupo de trabalho."
Pior do que se acreditava, o grupo de trabalho não tinha apenas o objetivo de procrastinar a análise e eventual aprovação do conjunto de propostas do Ministro Moro, mas o desvirtuamento e a desidratação daquilo que se imaginava ser a mais importante ferramenta para o combate à corrupção e crimes violentos nesse belo país.
Passados mais de 200 dias do encaminhamento para a Câmara do projeto de lei anticrime, apenas evoluiu a adulteração das características iniciais no seio daquela malfadada comissão. E não podia ser diferente, uma vez que não obedecendo o critério da proporcionalidade dos partidos, o Presidente Maia incluiu os Deputados
Marcelo Freixo (PSol-RJ), Paulo Teixeira (PT-SP) e Orlando Silva (PCdoB-SP), ostensivamente contra o projeto, por razões óbvias.
Por último, o PSL, partido do Presidente, resolveu abandonar o grupo de trabalho. "O governo não vai ficar discutindo em um grupo que vai ficar discutindo, discutindo, discutindo num grupo que não representa o plenário. Estar aqui é só compactuar e validar algo que não concordamos, afirmou Carla Zambelli, abandonando a reunião. Desde o início da discussão do pacote anticrime, os deputados governistas reclamam da composição do grupo de trabalho. Formado em março pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em resposta às cobranças públicas de Moro para acelerar a proposta, o grupo não seguiu a regra de proporcionalidade da Casa que daria ao PSL mais cadeiras."
Mais de sete meses depois, e passado pelo crivo desse inusitado grupo de trabalho, o documento enviado pelo Ministro Moro está absolutamente irreconhecível. Os principais pontos de avanço no combate à corrupção, ao crime organizado, à violência urbana foram completamente desfigurados. Quando não excluídos, modificaram-se de sorte que tornaram-se praticamente inócuos. Veja as principais mudanças feitas pelo grupo no relatório:
Prisão em segunda instância
O grupo retirou do pacote a proposta de Moro que previa a autorização para prisão após condenação em segunda instância.
Plea bargain
Também já foi retirada a criação do plea bargain – espécie de acordo em que o réu confessa os crimes cometidos e negocia uma pena menor.
Banco Nacional de Perfis Genéticos
Pelo texto, o perfil genético será recolhido de pessoas condenadas por crimes graves contra a pessoa e crimes contra a vida praticados com violência. Originalmente estava previsto que fosse colhido o perfil genético de todos os condenados por crimes dolosos.
Interrogatório por videoconferência
Foi excluída da proposta a previsão de realização de interrogatórios de presos por videoconferência.
Multa só depois de trânsito em julgado
O grupo de trabalho excluiu a previsão de pagamento de multas processuais quando não couber mais recursos.
Instalação de escutas
Foi retirada do relatório a autorização para instalação de escutas e câmeras em locais abertos ao público sem autorização judicial, como igrejas, hospitais e comércio. Os membros do grupo também retiraram a possibilidade de instalação de dispositivos de escuta e monitoramento em casas de investigados.
Penas para tráfico, posse e comércio ilegal de armas
O grupo decidiu alterar penas previstas para crimes relacionados à armas de fogo. A pena prevista para quem pratica o comércio ilegal de armas de fogo passa a ser de 6 a 12 anos de prisão. O relatório do Relator previa penas maiores, de 8 a 16 anos.
Essas, entre outras, as contribuições que Rodrigo Maia e seu exdrúxulo grupo de trabalho estão dando para o combate á corrupção, ao crime organizado e à violência tão presentes na nossa sociedade.