
O presidente dos Estados Unidos, virtualmente o homem mais poderoso do mundo, escreveu no seu twitter ontem à noite:
Donald J. Trump @realDonaldTrump
Report just out: “China hacked Hillary Clinton’s private Email Server.” Are they sure it wasn’t Russia (just kidding!)? What are the odds that the FBI and DOJ are right on top of this? Actually, a very big story. Much classified information!
A prática inusitada de uma autoridade nesse nível comunicar-se com sua aldeia através de uma rede social, até podia justificar-se pelos "novos tempos, novas tecnologias". Mas envolver outras nações, tão poderosas quanto e com as quais os Estados Unidos nunca tiveram uma relação próxima, e mais que isso escrever que está brincando (just kidding!), é algo absolutamente imperdoável. O cidadão que se investe, aqui ou alhures, de cargo público de tamanha relevância, há que respeitar a majestade do cargo. Exige-se o mínimo de postura de equilíbrio e de tratamento dos assuntos de Estado com seriedade, mormente na maior democracia do planeta.
Junte-se a isso uma série de acontecimentos considerados de gravidade em qualquer país do mundo, tais como:
1 - Recentes problemas judiciais de próximos como seu ex-advogado particular Michael Cohen (que em delação premiada confessou que Trump o teria orientado a pagar para silenciar duas mulheres que teriam tido um caso com o então candidato) e Paulo Manafort, ex-coordenador da campanha de Trump, condenado por júri popular (Grande Júri) por acusação de fraude bancária e tributária, além do lançamento do livro de sua ex-auxiliar Omarose Onee Manigault, acusando-o de racista, sexista, intolerante e em declínio mental.
2 - Inquérito do Procurador Especial Robert Mueller, que investiga se a Rússia interferiu na votação de 2016, se houve um conluio da campanha de Trump com Moscou e se Trump obstruiu a justiça ao demitir o então diretor do FBI James Comey, que estava formalmente encarregado da investigação.
3 - A implantação de um regime sumário de expulsão de indocumentados, separando pais de filhos menores e enjaulando (literalmente) esses últimos em gaiolas de ferro, com grave repercussão internacional.
4 - Discussão pública com seu Secretário de Justiça, o senador republicano Jeff Sessions, por este não obedecer à sua solicitação de que deveria parar as investigações sobre a interferência russa nas eleições americanas de 2016.
5 - Divulgação de opiniões absolutamente inapropriadas, desmerecendo as instituições de inteligência dos Estados Unidos (FBI, CIA, NSA etc.).
6 - Vazamento de comentário (nunca desmentido) da prestigiada assessora de comunicação da Casa Branca, Kelly Sadler, de que a oposição do senador John McCain à nomeação da nova diretora da CIA não importa “porque ele está morrendo de qualquer maneira”. Fato grave se considerarmos que o recém falecido ex-senador John McCain (republicano como Trump) era considerado herói de guerra (ficou mais de cinco anos preso no Vietnam), de família tradicional de membros das forças armadas e um dos mais respeitados senadores do congresso americano. Por isso mesmo o senador John McCain, que planejou seu funeral nos últimos meses após ser diagnosticado com câncer no cérebro, deixou expressamente recomendado que não queria que o presidente Donald Trump participasse das cerimônias do seu sepultamento.
7 - Guerra aberta com a quase unanimidade da mídia americana, acusando-a indiscriminadamente e cotidianamente de gerar "fake news" a seu respeito.
8 - A sem precedente decisão de revogar o acesso aos documentos reservados da inteligência dos Estados Unidos, do ex-diretor geral da CIA John Brennan, e a ameaça de fazê-lo a outros ex- membros dos órgãos de inteligência do país.
Tudo isso, sem contar com as idas e vindas do seu relacionamento com a república da Coréia do Norte, a retirada do acordo de desarmamento com o Irã, a rejeição à Aliança do Pacífico (TPP), a pressão ao congresso americano para aprovar recursos para a construção do discutível muro na fronteira com o México, a retirada dos Estados Unidos do Acordo de Paris para controle do clima no planeta (assinado em 2015 por 195 países), seus inúmeros supostos casos de misoginia e racismo etc. etc. etc.
Qualquer dos episódios listados acima, de per si, já justificaria a instrução de um processo de impeachment. Não nos Estados Unidos. Para lembrar o marqueteiro de Bill Clinton, James Carville - "It's the economy, stupid". E para a aparente e temporária salvação de Donald Trump, a economia americana está "bombando", para usar uma expressão tão ao gosto dos jovens. O PIB americano está rondando os 4%, a inflação flerta com 2% ao ano e o índice de desemprego é menor do que 4%, o que é considerado pleno emprego. Com esses indicadores, é improvável que o Congresso ouse abrir um processo de impedimento, mesmo que os Democratas consigam retomar a maioria nas duas casas nas eleições de 6 de novembro próximo (midterm election). Estarão em disputa todas as 435 vagas da Câmara (House of Representatives), 35 das 100 cadeiras do Senado e eleição para governador em 39 estados.
Recentemente, em almoço com amigos em Los Angeles, provoquei um engenheiro americano (republicano apaixonado) para dar-me sua opinião sobre o governo Trump. Ele discorreu uns 15 minutos sobre como o presidente estava cumprindo os compromissos de campanha, da maravilha que vivia a economia etc. Quando terminou, perguntei o mesmo a uma senhora sentada ao meu lado: "no comments", respondeu. Quando o nosso amigo que terminara de dar seu testemunho teve um momento de distração, ela me passou o papel abaixo: assim é o Trump!

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