segunda-feira, 22 de outubro de 2018

A Marcha dos Desesperados


“A chamada "Marcha dos Migrantes" saiu no sábado (13/10) da cidade de San Pedro Sula, no norte da Honduras. Famílias inteiras vêm a pé, em caravana, com os olhos postos nos Estados Unidos.”

Para compreendermos essa marcha de desesperados, faz-se necessário situar a República de Honduras geográfica e politicamente. Honduras é um país da América Central, com cerca de 9 milhões de habitantes e uma área territorial de algo em torno de 112.000 km2 (o estado do Ceará possui quase 149.000 km2). Seu Produto Interno Bruto (PIB) é de menos de 23 bilhões de dólares americanos, dado referente ao ano de 2017 (apenas para referência, o PIB brasileiro em 2017 foi de mais de 2 trilhões de dólares). A nação é dividida em 18 Departamentos (divisão assemelhada a estados) e é considerada a mais violenta do mundo, com uma taxa de homicídios de 55,5 mortes por 100 mil habitantes (dado de 2017).

Nos últimos dez anos, os indicadores hondurenhos têm tido um agravamento incontrolável, fruto da instabilidade política que marcou aquele país desde o golpe que destituiu o presidente Manuel Zelaya, em junho de 2009. Zelaya havia sido eleito em 2005, por uma coligação de centro direita. Ao longo do mandato, paulatinamente foi aproximando-se de Hugo Chaves. Como a constituição hondurenha não permitia a reeleição para o cargo de presidente, tentou aprovar uma emenda constitucional que modificasse esse dispositivo, considerado cláusula pétrea. A Suprema Corte considerou essa tentativa inconstitucional. Zelaya então propôs que se fizesse, quando das eleições gerais de novembro de 2009, um plebiscito sobre a mudança da constituição. O congresso (unicameral com 128 cadeiras) para obstaculizar essa manobra, aprovou uma nova lei que regulamenta os referendos e os plebiscitos e invalidava juridicamente a consulta. A nova legislação impedia a realização de consultas 180 dias antes e depois das eleições gerais. Zelaya então, nessa queda de braços com as forças políticas do país, marcou uma consulta plebiscitária com o seguinte teor: "Está de acordo com que nas eleições gerais de novembro de 2009 se instale uma quarta urna para decidir sobre a convocação de uma Assembleia Constituinte que aprove uma nova Constituição política?". Era uma consulta sobre a consulta.

Essa nova manobra custou-lhe o início da crise com as forças armadas, de sorte que “destituir o chefe do Estado Maior Conjunto das Forças Armadas, o general Romeo Vázquez, que havia se negado a apoiar a logística para a consulta de junho, declarada ilegal pelo Congresso. Após a demissão de Vázquez, o ministro da Defesa, Ángel Edmundo Orellana, e outros comandantes militares também renunciaram. Porém a remoção de Vázquez ordenada por Zelaya foi revertida pela Suprema Corte de Justiça, que aceitou dois recursos contra a decisão do presidente. O Exército mobilizou na sexta-feira anterior à consulta efetivos para prevenir possíveis distúrbios por parte de organizações populares e indígenas, que apoiam Zelaya.”

Ao recusar-se a cumprir uma decisão da Suprema Corte (a reintegração do general Vásquez), Zelaya abriu espaço para uma intervenção militar. À véspera da controvertida consulta pública, “os militares prenderam Zelaya no palácio presidencial. Ele foi levado para uma base aérea e depois trasladado à Costa Rica. Carros blindados e tanques saíram às ruas e aviões militares sobrevoavam a capital, Tegucigalpa.” Desde então, os habitantes do pequeno país da América Central não têm tido sossego. Em abril de 2015, julgando uma ação de 16 deputados e uma outra do ex-presidente Rafael Callejas, a Suprema Corte decidiu pela “inaplicabilidade” do artigo 239 da constituição, que proibia a reeleição de presidente desde o ano de 1982. Suprema ironia! Essa foi a principal razão para o golpe militar de pouco mais de cinco anos antes. Os índices econômicos até que não são desesperadores (desemprego de 6,7% e inflação em torno de 4,5% ao ano), mas a violência com raízes diversas (captura do Estado pela elite política, concentração de renda, perseguições ideológicas, vinganças familiares, assalto a mão armada, sequestro, extorsões etc) foi profundamente ampliada por “Las maras”, violentas gangues que assolam o país.

Neste exato momento, entre 4500 e 5000 pessoas (dos quais cerca de 3000 hondurenhos) vagueiam entre a fronteira da Guatemala com o México, e no próprio território mexicano. São homens, mulheres e crianças que buscam a fronteira dos Estados Unidos, em busca de paz e de dias melhores. Terão que enfrentar uma jornada, a pé, de mais ou menos 2500 quilômetros até a fronteira do estado do Texas ou, se preferirem, 4000 quilômetros até o estado da Califórnia. Mas esse não é o maior empecilho. Ali encontrarão a polícia de Donald Trump, que em mensagem recente no twitter, escreveu: “Todos os esforços estão sendo feitos para impedir que o ataque de estrangeiros ilegais atravesse a fronteira sul. As pessoas têm que solicitar asilo primeiro no México e, se elas não o fizerem, os EUA as recusarão. Os tribunais estão pedindo aos EUA que façam coisas que não são possíveis!”


Tudo indica que o sonho de one world no border está cada vez mais distante...

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