sábado, 29 de maio de 2021

Exclua o "quase", Ministro!


"Por isso é que o Supremo hoje em dia quase não é levado a sério. Isso é péssimo em termos institucionais. Perde a instituição. Não estou atacando o colega, estou defendendo a instituição que integro".
(Ministro do STF Marco Aurélio Melo)

Para quem não sabe do que se trata, vamos rememorar os fatos:

1 - Sérgio de Oliveira Cabral Santos Filho, conhecido politicamente como Sérgio Cabral, foi deputado estadual por três mandatos, de 1991 a 2003, e senador de 2003 até 2006. Em 2006 elegeu-se governador do Rio de Janeiro, com mandato de 1º de janeiro de 2007 até 31 de dezembro de 2010, no seu primeiro mandato.

2 - Candidato à reeleição, teve sucesso para cumprir o segundo termo de 1º de janeiro de 2011 até 31 de dezembro de 2014, tendo renunciado ao cargo em 3 de abril de 2014.

3 - "Em 2016 foi preso na Operação Lava Jato e tornou-se réu por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas,[7] sendo alvo da Polícia Federal nas operações Calicute, Eficiência, Fatura Exposta, Mascate e Unfair Play.[8] Atualmente encontra-se preso no pavilhão Bangu 8 do Complexo Penitenciário de Gericinó, na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro."

4 - Quanto mais se aprofundavam as investigações, mais concretas eram as evidências de que durante todo o seu Governo o Rio de Janeiro envolveu-se em um verdadeiro "mar de lama".

5 - Segundo as investigações do Ministério Público Federal, o esquema de corrupção que atingiu o Rio de Janeiro durante os dois períodos do governador Sérgio Cabral abrangeu todos os setores do estado. Até 2020, por condenação em 15 processos, o ex-governador já soma um total superior a 300 anos de reclusão.

6 - Em março de 2017 Sérgio Cabral inicia uma negociação para um acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal. "Cabral teria se comprometido a falar sobre pelo menos 97 casos de corrupção e outros crimes no governo local, na Assembleia Legislativa, no Tribunal de Justiça, no Ministério Público e até mesmo no Superior Tribunal Justiça (STJ)."

7 - Após muitas idas e vindas, o MPF-RJ decide não aceitar a delação premiada de Sérgio Cabral, sob a alegação de que ele não estava entregando o que prometera e omitia fatos essenciais às apurações (ocultou informações e protegeu pessoas) que deveriam sequenciar esse acordo.

8 - Em junho de 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu por 8 votos a 3, que a Polícia Federal pode negociar e celebrar acordos de delação premiada mesmo sem anuência do Ministério Público (poder concorrente).

9 - Em novembro de 2019, o ex-governador fecha um acordo de delação premiada com a Polícia Federal, que é enviado para o STF, sendo distribuído ao Ministro Edson Fachin. Nesse acordo, Cabral comprometeu-se a devolver 380 milhões de reais em propinas recebidas nos últimos anos.

10 - Em 6 de fevereiro de 2020, o ministro do STF, Edson Fachin homologou a delação de Sergio Cabral.

11 - Estranhamente em 11 de fevereiro de 2020, a Procuradoria Geral da República em documento encaminhado ao STF e assinado pelo seu procurador-geral Augusto Aras, recorre contra a homologação do acordo de delação premiada do ex-governador do Rio de Janeiro. O Sr. Aras foi nomeado pelo Presidente Bolsonaro e aparentemente mantém uma boa relação com o Planalto.

12 - No dia 12 de maio último a CNN divulga que entre os anexos da delação de Cabral, encontra-se um que acusa o Ministro do STF Dias Toffoli de ter vendido sentenças para beneficiar prefeitos politicamente ligados ao ex-governador, quando Ministro do Tribunal Superior Eleitoral (2012 a 2016). A propina (R$ 4 milhões) teria sido repassada através do escritório de advocacia da advogada Roberta Rangel, mulher do ministro Toffoli.

13 - Em 21 de maio de 2021 (há poucos dias, portanto) o conveniente plenário virtual do Supremo Tribunal Federal "começa a examinar os embargos de declaração apresentados pela Procuradoria-Geral da República reiterando o entendimento da inidoneidade das declarações prestadas pelo ex-governador Sérgio Cabral em acordo de delação premiada firmado pela Polícia Federal, sem participação do Ministério Público."

14 - Por 7 votos a 4, concluída a votação virtual antes de ontem (27/05) os ministros acolheram recurso protocolado pela Procuradoria-Geral da República do Sr. Aras para invalidar a colaboração. Essa delação premiada como dito anteriormente, foi fechada com a Polícia Federal (PF) e tinha sido homologada individualmente pelo ministro Edson Fachin.

Tempos estranhos estamos vivendo, diria o Ministro Marco Aurélio. O voto favorável do Ministro Nunes Marques à rejeição da delação (portanto acolhendo o recurso da PGR), na mesma linha de ação do Sr. Aras, é mais uma surpresa. Sua Excelência em votações anteriores tem se posicionado, por coincidência claro, favorável a teses de interesse do Planalto. Pode ter sido um ponto fora da curva ou mais uma coincidência?

É incompreensível, inaceitável, inadmissível, intolerável e qualquer outro adjetivo que o leitor queira adicionar, que um Ministro acusado em uma colaboração premiada vote para enterrá-la definitivamente. “Um juiz não pode votar em um caso onde ele é o interessado. A lei é clara ao proibir a participação do juiz, é uma questão que vai além da legislação, é o bom senso, é o óbvio. Jamais poderia ocorrer. Isso só mostra que o Supremo está cada vez mais distante da legislação, principalmente quando diz respeito às questões penais e criminais. Em hipótese alguma o ministro Toffoli poderia ter votado nesse caso”, opinou a procuradora da República, Thaméa Danelon, em entrevista ao Jornal da Manhã, da Jovem Pan.

Segundo o Ministro Marco Aurélio, "Por isso é que o Supremo hoje em dia quase não é levado a sério". Pode tirar o "quase", Ministro!

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