
Por um dever de honestidade intelectual, é forçoso reconhecer que o programa Mais Médicos, gestado no primeiro governo de Dilma Roussef, é um retumbante sucesso. Municípios esquecidos, distantes, pequenos, nunca haviam tido a atenção em saúde antes desse programa. Entendo que não está em questão a validade dessa ação. O que se está a discutir, de forma apaixonada e num espaço que permeia quase toda a sociedade brasileira, é o contrato do governo brasileiro com o governo cubano. O que se questiona é a formação e forma de remuneração dos médicos oriundos de Cuba. É a possibilidade ou não de lhes permitir trazer sua família nuclear.
Quando o governo da ilha, diante dos comentários do presidente eleito do Brasil sobre o programa, decidiu de forma unilateral retirar seus profissionais do território brasileiro, na prática está denunciando o contrato. Contrato que tem, estranhamente, a intermediação da OPAS - Organização Pan Americana da Saúde. Para um simples mortal como eu, não é compreensível que um contrato de serviço entre países não seja feito de forma direta e transparente.
Não importa de quem partiu a iniciativa desse processo, se do governo de Cuba oferecendo seus profissionais, ou se do governo Dilma de pedir o suporte do governo amigo. Sequer importa para essa discussão o mérito do empréstimo do BNDES para a construção do porto de Mariel. Essas questões poderão ser assunto para outro capítulo dessa novela. Com efeito, depois da divulgação de telegramas trocados entre autoridades cubanas e brasileiras, conclui-se que "partiu de Cuba proposta para criar Mais Médicos, em negociação secreta com governo Dilma. Documentos da embaixada brasileira em Cuba mostram que tratativas foram mantidas em sigilo para evitar reação da classe médica brasileira" e a inclusão da Opas objetivava evitar a necessidade de aprovação por parte do Congresso brasileiro.
"Os telegramas mostram que a negociação ocorreu da seguinte forma:
• Cuba criou uma empresa estatal de exportação de serviços médicos em outubro de 2011
• Missão cubana visitou regiões carentes do Brasil em março de 2012
• Proposta inicial foi enviar 6 mil médicos às regiões da Amazônia brasileira
• Cuba queria inicialmente US$ 8 mil por médico, e depois passou para US$ 5 mil
• Brasil sugeriu US$ 4 mil, sendo US$ 3 mil para o governo cubano e US$ 1 mil para o médico
• Proposta de usar a Opas como intermediária partiu do governo brasileiro
• O Brasil aceitou exigências de Cuba como não realizar avaliações dos médicos nem permitir que eles exercessem a profissão fora do programa
• Questões jurídicas deveriam ser levadas à corte em Havana"
O que importa no momento é quais soluções podem ser dadas para substituir esses profissionais pois segundo a CNM - Confederação Nacional dos Municípios informa, "entre os 1.575 Municípios que possuem somente médico cubano do programa, 80% possuem menos de 20 mil habitantes. Dessa forma, a saída desses médicos sem a garantia de outros profissionais pode gerar a desassistência básica de saúde a mais de 28 milhões de pessoas".
O governo Temer lançou em regime de urgência, um edital para a contratação imediata de mais de oito mil médicos. As inscrições deveriam acontecer até o dia 30 do mês corrente (novembro), e espera-se que os profissionais contratados já iniciem os trabalhos na primeira semana de dezembro. O novo edital do programa Mais Médicos está publicado no dia 20 no Diário Oficial da União seção 3, página 134.
A publicação ocorre no dia seguinte ao anúncio do Ministério da Justiça de que serão ofertadas 8.517 vagas para atuação em 2.824 municípios e 34 áreas indígenas, antes ocupadas por médicos cubanos.
Em menos de 24 horas, o website do Ministério da Saúde para a inscrição de médicos ao novo programa, recebeu mais de um milhão de acessos (o que se especula configurar um cyberataque através de milhares de robôs), com a inscrição de cerca de 11.000 profissionais até a noite de ontem, dia 22. Ainda aqui caberia uma observação: quem teria interesse em hackear o site do Ministério da Saúde para dificultar esse processo emergencial? Não há sigilo absoluto na Internet. Essa tentativa de boicote do programa, pode e deve ser apurada.
Consta que mais de duas centenas de médicos cubanos entraram na justiça para permanecerem no país. Muitos casaram com brasileiros(as), alguns outros fizeram o Revalida, e uns poucos simplesmente recusam-se a voltar. Ainda que não seja uma amostragem representativa, mas apenas como informação, conheço pessoalmente a situação de pequeno município do interior paranaense: dos quatro médicos cubanos que vieram através do programa, uma casou com um brasileiro e já não mais pertence ao Mais Médicos, dois foram aprovados no Revalida, abandonaram o programa e foram contratados diretamente pela prefeitura. O último está arrumando as malas.
A verdade é que, se de um lado (o brasileiro) há uma grande preocupação com a substituição dos médicos, de outro lado (o cubano) imagino deve também haver um problema a ser gerenciado. Sabe-se, através da OMC - Organização Mundial do Comércio e mesmo da imprensa estatal cubana, a exportação dos serviços de saúde por parte de Cuba é sua principal fonte de renda internacional."Bem mais lucrativo que a exportação de produtos produzidos na ilha, como açúcar, tabaco, rum ou níquel, o envio de profissionais de saúde para o exterior responde por 11 bilhões de dólares dos 14 bilhões de dólares que Havana arrecada por ano com exportações de bens e serviços."
"As alternativas (à perda econômica do Mais Médicos) são muito escassas", diz o economista cubano Mauricio De Miranda Parrondo, professor titular da Pontifícia Universidade Javeriana de Cali, na Colômbia, em entrevista à BBC News Brasil.
A verdade é que, independente do matiz ideológico a que você se filie, nada no momento é mais importante do que garantir aos deserdados da sorte, aos que realmente precisam, um serviço de saúde que lhes permita ter uma assistência de qualidade e presteza.
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Atualizado em 25 de outubro, às 18:39h
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