quarta-feira, 16 de agosto de 2023

LEMBRANÇAS DE RECIFE



Enquanto o treinamento na IBM desenvolvia-se sem comportamento mercurial de nenhuma parte, alguns momentos ficaram gravados na minha memória. Duas passagens em especial que se repetiam com muita frequência, davam-me prazer. As visitas mútuas que nos fazíamos, o casal amigo Ivan Batista Moreno e esposa Socorro, sempre aos sábados, e as “happy hours” quase diárias no Bar Savoy — na Avenida Guararapes, nº 147. Este ficava perto de onde recebíamos as aulas, e não raramente (mais honesto escrever “quase diariamente”) íamos repousar nossos projetos futuros nas cadeiras de metal da calçada do Edifício Sigismundo Cabral.

Do Bar Savoy, guardo com saudade o sabor do chopp bem tirado, com dois dedos de colarinho, ou o Conhaque Macieira com tira-gosto de chambaril. Mas mais que isso, os intermináveis papos com os colegas da IBM, e o poema em homenagem àquela casa de sonhos, como segue:

CHOPP

Carlos Pena Filho

Na avenida Guararapes,
o Recife vai marchando.
O bairro de Santo Antônio,
tanto se foi transformando
que, agora, às cinco da tarde,
mais se assemelha a um festim,

nas mesas do Bar Savoy,
o refrão tem sido assim:
São trinta copos de chopp,
são trinta homens sentados,
trezentos desejos presos,
trinta mil sonhos frustrados.

Ah, mas se a gente pudesse
fazer o que tem vontade
espiar o banho de uma,
a outra amar pela metade
e daquela que é mais linda
quebrar a rija vaidade.

Mas como a gente não pode
fazer o que tem vontade,
o jeito é mudar a vida
num diabólico festim.

Por isso no Bar Savoy,
o refrão é sempre assim:
São trinta copos de chopp,
são trinta homens sentados,
trezentos desejos presos,
trinta mil sonhos frustrados.

Os sábados eram geralmente muito animados. Aquele que fosse o anfitrião garantia o almoço e o visitante levava o uísque. A imagem do meu amigo Ivan, caminhando com o mais profundo respeito e em um tom circunspecto com uma garrafa de uísque embaixo do braço, lembrava-me a forma como Dimitri, o personagem de Dostoievski, referia-se ao seu irmão também Ivã, tal era a solenidade.

Invariavelmente o final do dia guardava um certo desencontro de interesses: as esposas queriam servir o almoço e os dois desejávamos beber “a saideira”.

Deus, nos seus estranhos e incompreensíveis desígnios, levou a ambos (Ivan e Socorro) prematuramente para o Céu.

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