domingo, 24 de abril de 2022

O Indulto a Daniel Silveira II




Em 18 de maio de 2020 sob o título "Do direito de manifestar opiniões", escrevi:

Todos temos o direito de manifestar livremente opiniões, ideias e pensamentos pessoais sem medo de retaliação ou censura, conforme Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, no seu Artigo XIX. Assim também, a Constituição brasileira de 1988 registra o direito à liberdade de expressão, como abaixo:

"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;"

Pois bem: protegido por esse direito universal e constitucional, ouso continuar a análise do Decreto Presidencial que concedeu indulto (Graça) ao Deputado Daniel Silveira.

Imaginemos, apenas por amor ao debate (não creio que vai acontecer), que o STF decida pela inconstitucionalidade do decreto que beneficiou o Deputado. Isso arrastaria o país a uma crise institucional sem precedentes. E com desfecho imprevisível.

Nesse caso hipotético, seria uma saída recorrer ao Art. 142 da Constituição? O que diz o artigo?

"Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem."

Existem interpretações desse dispositivo constitucional para todos os gostos:

1. O sociólogo, jurista e professor titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, José Eduardo Faria, defende que a ideia de que o artigo 142 permite às Forças Armadas agirem como poder moderador de conflitos entre os poderes não procede, juridicamente. E elabora: "...os juízes já não são vistos como agentes presos a um sistema lógico-formal de regras, mas encarados como profissionais cujas decisões resultam da ponderação entre suas visões jurídicas, morais e políticas e os aspectos factuais dos casos sob sua responsabilidade. Desse modo, quando o STF examina um texto legal, não há sentido único a ser extraído dele – o que há são sentidos contextualizados pelas circunstâncias que balizam a escrita e a comunicação dos legisladores e juízes."

2. Jorge Rubem Folena de Oliveira, Doutor em ciência política (IUPERJ), com pós-doutorado (CPDA/UFRRJ), mestre em Direito (UFRJ) e graduado pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), tem uma visão menos radical que a anterior. Registra que desde a Constituição de 1824, no artigo 98, busca-se um poder moderador:

"Art. 98. O Poder Moderador é a chave de toda a organização Política, e é delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação, e seu Primeiro Representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da Independência, equilíbrio, e harmonia dos mais Poderes Políticos”.

Essa necessidade repete-se nas Constituições seguintes até a vigente. "...a República deveria ter posto fim ao emprego das forças militares na manutenção da segurança interna; porém, a Constituição de 1891 manteve regra idêntica à do absolutismo..." "O ponto diferenciador da Constituição de 1988 em relação às constituições anteriores foi a extensão a todos os Poderes constituídos da capacidade de convocar as Forças Armadas, para sua própria garantia e da lei e da ordem."
"Vemos, então, que convocar uma GLO é muito mais simples do que declarar um estado de exceção; porém, uma vez que esta seja instaurada, as forças militares podem, em tese, ser empregadas para impor um regime autoritário, sob um manto de falsa legalidade constitucional."
"Por tudo isso, é importante que a sociedade se una para expurgar esse instituto de uma velha ordem, já superada..."

Como se depreende do texto, o jurista reconhece a existência do Art. 142 mas clama pelo seu expurgo.

3. Ives Gandra da Silva Martins é professor emérito das universidades Mackenzie, Unip, Unifeo, Unimeo, do CIEE-SP, das escolas de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme), superior de Guerra (ESG) e da magistratura do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, professor honorário das Universidades Austral (ARG), San Martin de Porres (PER) e Vasili Goldis (ROM), doutor honoris causa das Universidades de Craiova (ROM) e da PUC-PR e RS, e catedrático da Universidade do Minho (POR); presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio (SP); ex-presidente da Academia Paulista de Letras e do Iasp (Instituto dos Advogados de São Paulo).

O professor Ives Gandra tem uma posição francamente favorável à interpretação de que as Forças Armadas estão investidas do Poder Moderador por determinação constitucional no seu Art. 142. E justifica pelo acompanhamento e consultoria que prestou durante a Constituinte de 1988, seja ao seu Presidente Ulisses Guimarães, seja ao Relator Geral Bernardo Cabral.

"Minha interpretação, há 31 anos, manifestada para alunos da universidade, em livros, conferências, artigos jornalísticos, rádio e televisão é que NO CAPÍTULO PARA A DEFESA DA DEMOCRACIA, DO ESTADO E DE SUAS INSTITUIÇÕES, se um Poder sentir-se atropelado por outro, poderá solicitar às Forças Armadas que ajam como Poder Moderador para repor, NAQUELE PONTO, A LEI E A ORDEM, se esta, realmente, tiver sido ferida pelo Poder em conflito com o postulante."

"...vamos admitir que, declarando a inconstitucionalidade por omissão do Parlamento, que é atribuição do STF, o STF decidisse fazer a lei que o Congresso deveria fazer e não fez, violando o disposto no artigo 103, parágrafo 2º, assim redigido:
Art. 103. (...) § 2º Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.
Ora, se o Congresso contestasse tal invasão de competência não poderia recorrer ao próprio STF invasor, apesar de ter pelo artigo 49, inciso XI, a obrigação de zelar por sua competência normativa perante os outros Poderes.

Pelo artigo 142 da CF/88 caberia ao Congresso recorrer às Forças Armadas para reposição da lei (CF) e da ordem, não dando eficácia àquela norma que caberia apenas e tão somente ao Congresso redigir. Sua atuação seria, pois, pontual. Jamais para romper, mas para repor a lei e a ordem tisnada pela Suprema Corte, nada obstante — tenho dito e repetido — constituída, no Brasil, de brilhantes e ilustrados juristas."

A partir dessas opiniões diversas todos temos o direito de formar um juízo de valor, mesmo um engenheiro velho aposentado como eu.

Que Deus se apiade desse imenso Brasil!

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