quarta-feira, 28 de abril de 2021

O Ladrão Honesto




— Pois é claro que é um desgosto! Também é verdade que há ladrões e ladrões. A mim, caro senhor, aconteceu uma vez conhecer um ladrão honesto.
— Um ladrão honesto? Como é possível existir um ladrão honesto, Astáfi Ivánovitch?
— Tem toda a razão, meu caro senhor! Como pode um ladrão ser honesto? Isso não existe. Mas eu queria apenas dizer que era um homem honesto que roubou. Tive mesmo muita pena dele.
(Fiódor Dostoiévski in "O Ladrão Honesto")

Reli o Conto desse grande escritor russo (o maior no meu pensar) para tentar entender os julgamentos recentes da Justiça brasileira. Para fazer as pazes com a compreensão das decisões últimas do Congresso Nacional.

O Ministro Fachin, no julgamento do "habeas corpus 193.726", depois de quase sete anos do início da Operação Lava Jato com foro na 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba, entendeu que esta seria incompetente para julgar os Processos instruídos a partir daquela Operação e que o então Juiz Sérgio Moro não era o Juiz Natural daqueles Processos. O STF e em particular Sua Excelência, demoraram um pouco para descobrir isso. Há quem argumente que o Ministro estava tentando salvar a Lava Jato, numa decisão surpreendentemente inesperada e inteligente, antevendo a quase certeza de que a suspeição do ex-Juiz Moro seria declarada em outro processo. Não creio e minha consciência de cidadão repele esse argumento, ainda que eventualmente tivesse objetivo nobre. Justiça não se faz com "decisões surpreendentemente inesperadas e inteligentes". E de resto sequer evitou que a sentença da suspeição fosse efetivada. O Pleno do STF referendou o entendimento do Ministro Fachin por 8 votos a 3. Ave, Thêmis!

No último dia 8 de abril, atendendo a Mandado de Segurança encaminhado pelos Senadores Alessandro Vieira e Jorge Kajuru (ambos do Cidadania), o Ministro Luís Roberto Barroso determinou que o Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, intalasse uma CPI da Covid-19. O presidente do Senado afirmou que isso seria um “ponto fora da curva” e que podia provocar “o coroamento do insucesso nacional no enfrentamento da pandemia”. Evidente que por mais pura e honesta que sejam as intenções dos peticionários e dos Senadores que assinaram o requerimento para essa instalação (eu continuo sendo um otimista ingênuo), há alguma possibilidade de que as audiências da CPI antecipem a corrida às eleições de 2022 e transformem-se em um palanque eleitoral.

O Ministro Barroso submeteu sua decisão para a análise do Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) que determinou, por dez votos a um, a instalação da CPI. Apenas o decano da corte, Marco Aurélio Mello, votou contrário e criticou a celeridade da decisão. Para Marco Aurélio, a decisão teria de ser encaminhada ao colegiado, e não decidido por um ministro em liminar.

Assim determinado, assim cumprido. O Presidente da Senado instalou a CPI e acolheu os nomes dos integrantes indicados pelos Partidos, como determinado pelo Regimento Interno. Através de acordo entre os membros, foi escolhido para presidi-la o Senador Omar Aziz (PSD / AM). Não foi um bom caminho. Citado Senador foi alvo de uma operação do Ministério Público Federal chamada “Maus Caminhos”. Sua Excelência é investigado por desvios de recursos para a área da saúde quando foi Governador do Amazonas. Em julho de 2019, a Polícia Federal prendeu a Sra. Nejmi Aziz, esposa do Senador e seus irmãos Amim, Murad e Mansour, entre outros. Essa ação foi executada pelo desdobramento da Operação Maus Caminhos, sob as acusações de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e participação em organização criminosa, que desviou milhões de reais da saúde do estado.

Uma vez empossado como Presidente da CPI, o Senador (como previsto no Regimento Interno) nomeou o Senador Renan Calheiros (MDB / AL) para Relator. Com relação ao Senador Renan, em 2017 o STF abriu o 18º inquérito para investigá-lo. Com efeito: "O senador Renan Calheiros (PMDB-AL) se tornou alvo de mais um inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF). Essa já é a 18ª investigação contra o peemedebista em tramitação na Corte, sendo que ele já é réu em uma delas – que apura recebimento de propina em troca da apresentação de emendas parlamentares em favor da empreiteira Mendes Júnior." (Leia "Semelhantes se atraem?" em https://nilosergiobezerra.blogspot.com/2020/09/semelhantes-se-atraem.html)

As comissões parlamentares de inquérito têm poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, podendo:

— realizar diligências que julgar necessárias;
— convocar Ministros de Estado;
— tomar o depoimento de qualquer autoridade;
— inquirir testemunhas, sob compromisso;
— ouvir indiciados;
— requisitar de órgão público informações ou documentos de qualquer natureza; e
— requerer ao Tribunal de Contas da União a realização de inspeções e auditorias que entender necessárias.

Uma vez aprovado o relatório feito pelo Relator, suas conclusões, se for o caso, serão encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.

O Objeto dessa CPI é investigar ações e omissões no combate à pandemia pelo poder público federal, bem como a fiscalização dos recursos da União repassados aos demais entes federados para as ações de prevenção e combate à pandemia. Se eu não acreditasse definitivamente na honestidade de propósitos dos componentes do Congresso Nacional, especialmente dos Senadores Renan Calheiros e Jáder Barbalho, membros da CPI, eu diria que ambos deveriam considerar-se impedidos de participar. Renan é pai do governador de Alagoas, Renan Filho, e Jader é pai do governador do Pará, Helder Barbalho. Investigar repasses de verbas federais aos estados é um dos objetivos da comissão. Mas eu creio na imparcialidade e na retidão de caráter que como magistrados deverão comportar-se na condução dos trabalhos dessa Comissão Parlamentar de Inquérito.

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