
Suprema Corte dos Estados Unidos
Quando o Ministro da Suprema Corte dos EUA, Anthony Kennedy, anunciou sua aposentadoria em 27 de junho de 2018, o Presidente Trump ganhou uma chance de alterar por anos —talvez décadas— o equilíbrio daquela Corte. "Embora alinhado com mais frequência aos quatro juízes da ala conservadora da corte, nos últimos anos ele tem servido, não raras vezes, como o fiel da balança."
O colegiado da Suprema Corte americana é formado por nove Ministros que não têm "prazo de validade". Diferentemente do Brasil, onde os ministros do Supremo Tribunal Federal forçosamente se aposentam aos 75 anos (popularmente conhecida como expulsória), o cargo nos EUA pode ser vitalício.
Frequentemente os julgamentos nos Estados Unidos na mais Alta Corte terminam num 5 X 4. Ao contrário da configuração anterior com Anthony Kennedy, que apesar de conservador era um moderado e não raro alinhava-se ao grupo tido como progressista, sobretudo em questões de direitos civis, liberdade dos cidadãos gays e pena de morte, com a posse do seu substituto, o ultraconservador Brett Kavanaugh não há mais surpresas. O placar será sempre 5 X 4 para os conservadores.
A exemplo dos irmãos do Norte, o Supremo Tribunal Federal do Brasil tem frequentemente enfrentado resultados de 6 X 5, prevalecendo o chamado grupo garantista, vencidos os ditos consequencialistas ou punitivistas. Ainda recentemente, num socialmente polarizado julgamento, o STF decidiu (mais uma vez por 6 X 5) que a Justiça Eleitoral deve julgar crimes associados a caixa 2. O resultado impôs uma derrota à força-tarefa da Lava-Jato que ostensivamente defendeu a posição contrária.
Fim dos tempos? Morte da Lava-Jato? Abertura total para mais "malfeitos" da classe política? Não creio. A sociedade brasileira já não mais aceita passivamente os desvios de comportamento tão amplamento descobertos e divulgados nos últimos tempos. Acredito que o Tribunal Superior Eleitoral procurará equipar-se para bem desempenhar a sua tarefa. O próprio Ministério Público Federal saberá conduzir da melhor forma as suas obrigações.
Nesse "cabo-de-guerra" entre parte do STF e a força-tarefa da Lava-Jato, move-se o tabuleiro de xadrez. Quando o pleno do STF decidiu, em julho de 2018, pela proibição da condução coercitiva de réus e investigados para depoimento, os Procuradores passaram a solicitar no processo (sendo frequentemente autorizados pelo Juízo) a prisão temporária (prazo de duração de cinco dias, prorrogáveis por mais cinco).
Ora, cabe institucionalmente ao Ministério Público Federal, entre outras funções, "requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais".
"O Ministério Público, diante dos elementos contidos no inquérito policial, ou mediante outras peças informativas, verificando a existência de fato que, em tese, caracteriza crime e indícios de autoria, forma sua convicção, denominada opinio delicti, iniciando a ação penal pública com o oferecimento da peça inicial, definida no artigo 24 do Código de Processo Penal como denúncia." Portanto nada impede que, concluido o inquérito policial e no oferecimento da exordial acusatória, o Ministério Público não "veja" o crime de Caixa 2, mas apenas os seus conexos tais como corrupção passiva, lavagem de dinheiro, evasão de divisas etc.
E assim caminha a República Federativa do Brasil...
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Artigo do juiz federal Francisco Codevilla, da 15ª Vara Federal em Brasília (Do site O Antagonista em 18/03/2019)
O STF decidiu, no dia 14/03/2019, por maioria de votos (6 x 5), que os crimes conexos ao de caixa 2 eleitoral devem ser julgados, também, pela Justiça Eleitoral.
O fundamento, em linhas gerais, está no art. 109, IV, da Constituição Federal, segundo o qual, compete à Justiça Federal processar e julgar “os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral”. Além disso, o art. 78, IV, do Código de Processo Penal, determina que no concurso entre jurisdições comum e especial, prevalecerá a especial, no caso, a Eleitoral sobre a Justiça Federal.
Consequentemente, crimes como lavagem de dinheiro, sonegação fiscal, entre outros, quando conexos ao crime de caixa 2 eleitoral, deverão ser julgados pela Justiça Eleitoral.
Em sentido contrário ao que fora decidido pelo STF, argumenta-se que a competência da Justiça Federal também está prevista na Constituição Federal e, portanto, uma não poderia sobrepor-se à outra, devendo ser resguardada a competência de cada uma delas. Nesse caso, a Justiça Eleitoral julgaria apenas o crime de caixa 2 e a Federal os demais. Além disso, há um argumento de ordem prática, o de que a Justiça Eleitoral não estaria apta para o processamento de crimes tão complexos.
De imediato, inúmeras foram as críticas desferidas ao julgamento em questão. A principal delas e mais contundente revela o receio de que a Operação Lava Jato, que tramita basicamente na Justiça Federal de primeira instância, seja esvaziada.
Contudo, apesar do recente julgamento do STF, creio que a competência da Justiça Federal ainda pode ser preservada, se examinarmos de perto os fatos.
O que se denomina crime de caixa 2 eleitoral, previsto no art. 350, do Código Eleitoral, nada mais é do que um crime de falsidade ideológica (“Omitir, em documento público ou particular, declaração que dêle devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais: Pena – reclusão até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa, se o documento é público, e reclusão até três anos e pagamento de 3 a 10 dias-multa se o documento é particular”).
Na prática, o crime ocorre quando um candidato deixa de declarar oficialmente valores doados para o financiamento da sua campanha eleitoral, utilizando-se de uma contabilidade paralela. Porém, para a caracterização desse crime, o dinheiro doado não pode ter qualquer relação com favores no âmbito da Administração Pública, passados ou futuros. Se tiver, o crime será outro, como veremos a seguir
O que tem sido evidenciado nos casos trazidos à Justiça Federal, na sua grande maioria, é que o crime verdadeiramente praticado não é o de caixa 2, mas o de corrupção passiva (art. 317, do Código Penal: “Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa”.
Nesse contexto, em troca de favores no âmbito da Administração Pública, empresários e empresas contribuem para o financiamento das campanhas eleitorais. Importante registrar que o crime de corrupção passiva estará consumado com a simples solicitação da vantagem financeira. A entrega efetiva do dinheiro é considerada um pós fato impunível, ou seja, uma consequência natural do crime e, portanto, irrelevante para a sua consumação.
Sendo assim, a suposta vinculação com o pleito eleitoral não é suficiente para caracterizar o crime de caixa 2 eleitoral. Na verdade, é apenas um subterfúgio para escapar de uma pena maior e deslocar o processo para um ramo da Justiça não devidamente aparelhado, com possíveis implicações negativas, como a prescrição e a absolvição por falta de provas.
Além disso, o ato de tentar fazer crer que o dinheiro é apenas para financiamento de campanha eleitoral, quando de fato não for, poderá ser considerado dissimulação de ativo e caracterizar outro crime: lavagem de dinheiro.
Portanto, evidenciado que não se trata de crime de caixa 2, mas de corrupção passiva com possível lavagem de dinheiro, a competência será da Justiça Federal, e não da Justiça Eleitoral.
A forma mais fácil de não enxergar a realidade é ressaltar as aparências. Só parece caixa 2, mas é corrupção passiva com lavagem de dinheiro. É muito mais grave do que parece ser!