terça-feira, 24 de junho de 2025

O Umbigo Enterrado


O cabra pode até rodar o mundo todinho. Já andei no Shinkansen, o trem-bala de Tóquio para Yokohama no Japão, já me perdi nos becos do bairro de Alfama, em Lisboa, impressionei-me com as luzes da Times Square de Nova York, encantei-me com os cafés de Paris e com o cruzeiro de navio de Helsinque para Estocolmo. Apesar de ter morado quase sete anos nos Estados Unidos, nunca aprendi outros sotaques, outros modos, outros jeitos de dizer “bom dia”. Nunca esqueci a terra onde enterrei meu umbigo.

Essa história de enterrar o umbigo é mais que crendice de parteira. É pacto. Raiz invisível que a gente carrega no peito, feito cordão que nunca foi cortado de verdade. Quem nasceu em chão batido de terra quente, sabe: o mundo pode ser bonito, mas só um lugar tem o cheiro certo de quando éramos pequenos.

Eu conheço gente que virou doutor, político, autoridade, e mesmo assim volta todo mês de agosto pra renovar suas promessas com São Raimundo. Gente que, de terno e gravata, ainda sonha com o barulho da chuva caindo no telhado. Que carrega retrato amarelado no bolso ou na memória, da roda de conversa na pracinha da cidade, dos encontros debaixo da castanhola. 

Porque não adianta: o chão de origem não se apaga com carimbo no passaporte. E não é só saudade. É pertencimento. É saber de onde se veio pra não se perder por aí. É lembrar que, por mais que o mundo se abra, há um lugar que é só da gente, com seu silêncio particular, com suas vozes e músicas antigas ecoando dentro do peito.

E quando perguntam de onde a gente é, mesmo morando a léguas de distância, a resposta vem certeira, com um orgulho que quase treme na boca:

“Sou de Várzea Alegre, onde meu umbigo tá enterrado até hoje.”

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