segunda-feira, 16 de junho de 2025

"Assim não se pode trabalhar!"


Durante o governo do presidente Ernesto Geisel (1974–1979), o Brasil enfrentava os efeitos colaterais de uma crise energética global e de uma inflação galopante que ameaçava a estabilidade econômica do país. Para tentar conter os danos e evitar medidas ainda mais drásticas, o então Ministro da Fazenda, Mário Henrique Simonsen, propôs uma solução criativa — e extremamente impopular: a criação do Certificado de Recolhimento Restituível (CRR), um tributo extra embutido no preço da gasolina, que passou a ser conhecido informalmente como "simoneta".

A alcunha era uma ironia amarga: uma alusão às “polonetas”, títulos públicos emitidos pelo governo da Polônia que o Brasil havia adquirido — e dos quais jamais conseguiu reaver o valor investido. A “simoneta”, portanto, carregava no nome não apenas o peso da medida fiscal, mas também o descrédito simbólico de experiências anteriores mal-sucedidas.

Coube ao senador Virgílio Távora, vice-líder do governo para assuntos econômicos no Senado, a ingrata missão de defender o novo imposto. Com sua habitual seriedade e competência, Virgílio preparou-se para justificar a medida em plenário: falou da crise internacional do petróleo, da necessidade de manter a economia girando, de conter a inflação e de evitar o temido racionamento de combustíveis. Seus argumentos, expostos com precisão na tribuna do Senado, buscavam enquadrar a “simoneta” como um remédio amargo, porém necessário.

No entanto, minutos após o discurso, a imprensa noticiava que o próprio presidente Geisel havia determinado o cancelamento da implementação do imposto, jogando por terra toda a fundamentação apresentada. Ao deixar o plenário e caminhar para seu gabinete, Virgílio teria desabafado com ironia contida e frustração sincera: "Assim não se pode trabalhar!"

E por que recordar esse episódio remoto, soterrado nas memórias do regime militar? Porque ele encontra eco em nossos dias. Ao assistir a recentes declarações do presidente Lula — especialmente aquelas que soam como “sincericídios” capazes de desautorizar toda a estratégia de comunicação governamental —, é possível imaginar Sidônio Palmeira, o atual ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom), encarregado de reverter a curva de queda da popularidade do governo, repetindo em silêncio o lamento de Virgílio Távora: "Assim não se pode trabalhar!"

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