quinta-feira, 2 de junho de 2022

"A mãe do PAC" ou Porquê não voto em Lula - Capítulo III




Dez entre dez analistas/cientistas políticos da era Lula seriam capazes de apostar, com muito pequena margem de dúvida, que seu sucessor seria o Ministro José Dirceu ou o Ministro Antônio Palocci. Se o todo poderoso Ministro Chefe da Casa Civil coordenava toda a ação política do primeiro Governo Lula, o Ministro Palocci, coordenador da campanha eleitoral de Lula após o assassinato de Celso Daniel, era o homem forte da Economia e selo de garantia para o mercado, esse ente abstrato que tanto temor causa aos governantes.

Infelizmente para o PT e para o próprio Lula, foram ambos politicamente "abatidos" pelo caminho. José Dirceu teria sido o criador e operador do que se convencionou chamar de Mensalão, primeiro grande escândalo dos Governos do PT. Por força da robusta denúncia do então Deputado Federal e Presidente do PTB Roberto Jefferson, o Ministro Dirceu, Deputado Federal licenciado, pediu exoneração do cargo para "voltar para a Câmara como militante e dirigente do PT, que é a minha vida." Poucos Ministros em qualquer tempo e nos inúmeros Governos que antecederam ao de Lula, concentraram tanto poder quanto Zé Dirceu. Posteriormente foi cassado pela Câmara e condenado a até 27 anos e um mês de prisão em regime fechado, por associação criminosa, corrupção ativa e lavagem de dinheiro, sentença recentemente mantida (20/04/2022) pelo STJ. Como ainda pode recorrer, Zé Dirceu permanece em liberdade. Mesmo depois de todos esses percalços, o ex-Ministro há se constituído em um dos mais ativos articuladores da campanha de Lula, em constantes reuniões com lideranças políticas, principalmente do centro direita e da direita.

O que dizer de Antônio Palocci? Após atuar com incrível competência na campanha lulista, especialmente na interação com empresários e banqueiros e um destacado trabalho na chefia da equipe de transição, o ex-Prefeito de Ribeirão Preto foi escolhido Ministro da Fazenda. "Seu maior êxito foi a concepção da Carta ao Povo Brasileiro, na qual Lula se comprometia a manter a política econômica de Fernando Henrique Cardoso, com atenção ao ajuste fiscal." Era, ao lado de José Dirceu, o grande destaque da nova gestão. Com a saída de José Dirceu atingido pelo Mensalão, Palocci tornou-se naturalmente favorito para suceder Lula na eleição de 2010. Apesar de alguns "malfeitos" na Prefeitura de Ribeirão Preto (ainda não descobertos ou divulgados), Palocci tornava-se cada dia mais influente na hierarquia do PT, até que um Francenildo cruzou o seu caminho. Em depoimento na CPI que apurava escândalos no Governo Lula, em março de 2006, o caseiro da "Mansão do Lobby" ou "República de Ribeirão Preto", afirmou ter visto várias vezes o Ministro Palocci na "casa onde empresários faziam acordos e celebravam festas com garotas de programa em Brasília." A partir daí o Ministro começou a viver seu inferno astral, até o momento em que teve que pedir demissão acusado da quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa, seu algoz no escândalo.

Tendo perdido seus dois coringas, companheiros da mais absoluta confiança e potenciais candidatos a dar continuidade ao seu projeto de poder, Lula descobriu em Dilma uma eventual substituta. Ela ganhou destaque na equipe responsável por formular o plano de governo na área energética. Conta a lenda que numa audiência com o Presidente recém-eleito, Dilma sacou de um notebook e começou a desfiar números (havia sido por duas vezes Secretária de Minas, Energia e Comunicações do Rio Grande do Sul) o que impressionou o Presidente. Foi convidada então a ocupar a pasta de Minas e Energia em 2003. Com a queda de José Dirceu e sua atuação à frente do Ministério de Minas e Energia que lhe rendera a simpatia do presidente Lula, credenciou-se a substitutuir o ex-Ministro.

Com a anuência de Lula (mesmo timidamente em princípio), a Ministra Chefe da Casa Civil tornou-se presença constante nos eventos do Governo Federal. Já em janeiro de 2007, no lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em cerimônia no Palácio do Planalto com a presença de Ministros, Secretários de Estado, Congressistas, Governadores, dirigentes de estatais, empresários e representantes dos trabalhadores, Lula fez referência especial à Chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff.

Enquanto Lula, no segundo termo buscava sobreviver à sequência de escândalos já descritos no Capítulo II ("Nós contra eles" ou Porque não voto em Lula), sua Ministra Chefe da Casa Civil trabalhava para viabilizar sua candidatura a Presidente. Sendo cristã nova no PT, onde havia feito a filiação apenas em 2001, muitos petistas raízes torciam o nariz para sua candidatura. Cuidou então de montar uma equipe de simpatizantes dentro do partido, onde pontificavam Aloysio Mercadante, José Eduardo Cardozo, Antônio Palocci, Irenice Guerra entre outros.

Para tentar atingir a candidatura Dilma (Ministra, Presidente do Conselho da Petrobrás e virtual candidata à Presidência da República), a oposição conseguiu viabilizar no Senado uma CPI em maio e instalada só em julho de 2009, que investigava manobras contábeis da petroleira para driblar o fisco, irregularidades em patrocínios e superfaturamento na construção de plataformas e nas obras de Abreu e Lima. Registre-se que os descalabros da Pasadena já tinham acontecido, Cerveró havia sido demitido (Dilma, já Presidente, o recontratou para a diretoria financeira da BR Distribuidora) e alguns dos crimes contra a Petrobrás eram de domínio público. Evidente que a maioria governista do Senado não iria permitir a evolução dessa CPI, de sorte que o relator, senador Romero Jucá (PMDB-RR), desqualificou qualquer acusação e enterrou a Comissão.

"O governo Lula também acumulou algumas derrotas no campo internacional: depois de investir 3,5 bilhões de dólares na Bolívia, a Petrobrás teve suas usinas nacionalizadas por Evo Morales, sem a devida resposta diplomática. Cedeu também ao Paraguai, quando o recém aleito presidente Fernando Hugo decidiu não mais cumprir o contrato assinado com o Brasil, a respeito da energia elétrica de Itaipú. Com isto, o Brasil triplicou a quantia que paga ao vizinho pela energia elétrica com a qual o Paraguai abastece a região sudeste brasileira. O novo acordo de setembro de 2009 ajustaria de US$ 120 milhões para US$ 360 milhões."

Apesar dos "malfeitos", o Governo pôde alcançar níveis de aceitação recordes montado no boom das commodities, como registra o relatório do FMI ("...a taxa de pobreza caiu de cerca de 27% para 12%, e a desigualdade recuou quase 11% em toda a América Latina entre 2000 e 2014"). Montada nessa aceitação do seu patrono, a Ministra foi "vendida" à sociedada brasileira como uma executiva altamente preparada mesmo com um perfil longe de ser carismático. Desde 2008, o Presidente iniciou seu trabalho de convencimento de que a Ministra Dilma era extremamente competente e capaz de conduzir um Governo de sucesso. Em março de 2008, dois anos antes portanto da eleição que escolheria seu sucessor, ao inaugurar obras de saneamento e habitação no morro do Alemão no Rio de Janeiro ao lado do Governador Sergio Cabral Filho, nominou a Ministra Dilma de "mãe do PAC". A partir daí, a cada inauguração de obras do seu Governo, o crédito era dado à "mãe do PAC".

A preferência por Dilma Rousseff já se evidenciara pouco tempo antes (novembro de 2007) escolhida por Lula para anunciar a descoberta da reserva petrolífera do pré-sal. Em 2009, quando anunciou a liberação de 130 bilhões de reais para o PAC (incluídos aí "espertamente" os investimentos da Petrobras para exploração de petróleo na camada do pré-sal) que seria gerenciados por Dilma, o Presidente Lula escancarou a candidatura da Ministra. Segundo Lula, "o Brasil teria a primeira Presidente mulher e uma executiva de nível internacional". O futuro encarregar-se-ia de desmentir essa afirmação.

À véspera da eleição (setembro de 2010), e para manter a tradição de escândalos nos oito anos do Governo Lula, o Jornal Folha de São Paulo destaca a intermediação do filho de Erenice Guerra (Erenice foi secretária-executiva de Dilma Rousseff durante sua gestão na Casa Civilil e a substituira quando esta teve que se afastar para ser candidata) estava intermediando empréstimo no BNDES a troco de propina. "A denúncia foi feita pelo consultor Rubnei Quícoli, que atuava para a empresa de Campinas EDRB, que buscava empréstimo de R$ 2,25 bilhões para construção de um parque solar no Nordeste." Isso tornou insustentável a permanência de Erenice no ministério, que se afastou "para ter paz e provar sua inocência". Na denúncia, Quicola afirma que fora informado de que o dinheiro iria para Erenice e para a campanha de Dilma.

Nenhum escândalo abalou a popularidade de Lula. "Vários governos que passaram gastaram R$ 300 bilhões, R$ 400 bilhões por ano pagando juros da dívida sem tomar nenhuma medida para corrigir. E o Lula chegou e pegou R$ 10 bilhões só, e atingiu 40 milhões de família favoravelmente com o Bolsa Família. Isso é um impacto extraordinário", afirmou o Ministro Paulo Guedes em audiência na Câmara Federal. Pode-se pois creditar grande parte dessa generosidade do povo brasileiro com Lula pela consolidação dos diversos programas sociais de distribuição de renda através do Bolsa Família. Além disso, o extremamente favorável ambiente externo com o boom das commodities citado anteriormente, o que permitiu o crescimento da economia em 7,5%, justamente no ano da eleição.

Mais sobre o PAC 2 e o Governo Dilma no Capítulo IV

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