sábado, 9 de agosto de 2025

O Universo conspira...


No dia 21 de agosto de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) tomou uma decisão que, para muitos, soou como um retrocesso em matéria de transparência e imparcialidade no Judiciário. Por 7 votos a 4, a Corte decidiu que juízes podem julgar processos em que uma das partes seja cliente de escritório de advocacia de seus parentes ou cônjuges.

A deliberação derrubou uma regra do Código de Processo Civil que proibia tal atuação, considerando-a inconstitucional. Na prática, foi alterado o entendimento anterior sobre o impedimento de magistrados em casos dessa natureza. A norma invalidada impedia que um juiz julgasse um processo envolvendo cliente de escritório de advocacia de seu cônjuge, companheiro ou parente até o terceiro grau, mesmo que a causa fosse conduzida por outro escritório.

É difícil ignorar que a medida pode beneficiar diretamente ministros do próprio STF, cujos familiares atuam como advogados. Para o cidadão comum, fica evidente o risco de conflitos de interesse e favorecimentos. Na minha visão de leigo, já seria difícil imaginar um colegiado indo mais longe para aprovar algo que, em tese, pode favorecê-lo. Mas não precisei esperar muito para ver algo ainda mais peculiar.

Em abril de 2020, no auge da pandemia, o Consórcio Nordeste anunciou a compra de 300 respiradores para hospitais da região, ao custo de R$ 48 milhões. A nota de empenho, assinada pelo ex-ministro Carlos Gabas, atestava que os equipamentos haviam sido entregues “em perfeitas condições”. O problema: eles nunca foram entregues.

O contrato, redigido pelos próprios vendedores, fato inusitado por si só, recebeu aval do então governador da Bahia, Rui Costa (PT), que presidia o consórcio. Na época, o grupo incluía:

Wellington Dias (Piauí)
Belivaldo Chagas (Sergipe)
Camilo Santana (Ceará)
Flávio Dino (Maranhão)
João Azevêdo (Paraíba)
Renan Filho (Alagoas)
Fátima Bezerra (Rio Grande do Norte)
Paulo Câmara (Pernambuco)

Foi instaurado um inquérito sigiloso para investigar possíveis crimes na contratação direta de uma empresa supostamente sem qualificação técnica. O valor atualizado do contrato foi de R$ 49,5 milhões.

No âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que inicialmente assumiu o caso por haver autoridade com foro privilegiado, foram autorizadas medidas como quebra de sigilo bancário, telefônico e telemático, além de buscas e apreensões. A Polícia Federal, por sua vez, solicitou mais prazo para concluir o relatório final da Operação Ragnarok.

Com o avanço das investigações, o Ministério Público Federal (MPF) apontou que não havia mais autoridade com foro no STJ, o que retirava a competência daquela corte. O vice-presidente do STJ, ministro Og Fernandes, determinou então que o processo fosse remetido ao STF, para que este verificasse se algum dos investigados possuía foro que justificasse assumir o caso, conforme decidido na Questão de Ordem da APn 937.

Por se tratar de processo sigiloso, o número não foi divulgado. Mas veio então a reviravolta: após o “sorteio” interno no STF, o relator sorteado foi o ministro Flávio Dino. Sim, o mesmo Flávio Dino que, à época dos fatos investigados, era governador do Maranhão e membro efetivo do Consórcio Nordeste, justamente o órgão no centro do escândalo dos respiradores.

Para quem observa de fora, é inevitável enxergar ironia, ou muita coincidência, nesse enredo. Um caso de suposto desvio milionário, envolvendo governadores, acaba nas mãos de um ex-governador integrante do próprio grupo investigado.

Longe de mim duvidar da integridade e imparcialidade do Ministro Flávio Dino. Formou-se em direito pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA), mestrado pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), atuou como advogado, foi juiz federal concursado na 1ª Região, deputado federal pelo Maranhão, diretor da Escola de Direito de Brasília do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e presidente do Instituto Brasileiro de Turismo (Embratur), durante o governo Dilma Rousseff. É um indivíduo absolutamente preparado!

No primeiro caso, processos são julgados por juízes com pessoas próximas como parte interessada. Neste último, a própria parte interessada faz o julgamento. O Universo nos prega cada peça...

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