Praça da Cidade Velha (Staroměstské náměstí) Praga,22/04/2025
Quem quiser fazer um verdadeiro exercício ideológico — sério, profundo e confrontador — deveria ir além dos livros didáticos enviesados e das narrativas prontas. A melhor maneira de entender o comunismo em sua essência não é através de teorias, mas de testemunhos. Venha a Praga, capital da República Tcheca. Esqueça os roteiros turísticos tradicionais por um instante. Converse com os moradores locais — jovens, adultos de meia-idade e, sobretudo, os idosos.
Pergunte sobre o comunismo. Não se limite a uma ou duas conversas: fale com dez, cem, quantas pessoas puder. Você ouvirá relatos reais, dolorosos e impactantes, de quem viveu sob um regime que prometia igualdade, mas entregou opressão.
Para tornar a experiência ainda mais rica, faça o Tour do Comunismo e visite o Museum of Communism in Prague. O acervo oferece um retrato cru e revelador do período entre 1948 e 1989, quando a antiga Tchecoslováquia foi transformada em um estado satélite da União Soviética. A exposição mostra como a ideologia comunista se infiltrou em todos os aspectos da vida cotidiana, da educação à cultura, da economia à espiritualidade.
Após o golpe de 1948, o Partido Comunista assumiu o controle total do país, eliminando as liberdades fundamentais. A imprensa passou a ser censurada, intelectuais perseguidos, e artistas silenciados. Um dos episódios mais simbólicos dessa repressão foi o julgamento e execução de Rudolf Slánský e outros acusados, em 1952, com base em falsas acusações de traição. Em 1968, a tentativa de abertura conhecida como Primavera de Praga foi esmagada brutalmente por tanques soviéticos, resultando em mortes de civis e no endurecimento da repressão nos anos seguintes.
A economia planificada, tida como o modelo ideal socialista, revelou-se um desastre. A Tchecoslováquia perdeu o bonde da revolução tecnológica e viu sua infraestrutura deteriorar-se enquanto a produção seguia metas absurdas e centralizadas. Os produtos eram obsoletos e de baixa qualidade, e até mesmo rodovias e pontes estavam em estado lamentável. O país, embora com dívida externa baixa, tornou-se completamente dependente da União Soviética, sofrendo diretamente os efeitos de crises como a queda das exportações de petróleo nos anos 80.
No campo internacional, a Tchecoslováquia ficou isolada. A recusa ao Plano Marshall e o alinhamento cego a Moscou colocaram o país à margem do progresso ocidental. Internamente, o regime tratou de infiltrar a ideologia comunista em todos os aspectos da vida. A religião foi reprimida, tradições locais sufocadas, e a cidadania, dissolvida. Muitas pessoas simplesmente se retiraram da vida pública, como forma de escapar do controle estatal.
Mesmo as manifestações culturais que conseguiam sobreviver, como o filme Closely Watched Trains ou o manifesto “Duas Mil Palavras”, de Ludvík Vaculík, eram constantemente reprimidas. E enquanto o regime falava em igualdade, uma elite comunista desfrutava de privilégios negados ao povo. A realidade era uma sociedade marcada por escassez, filas, vigilância constante e medo.
Mesmo com a Revolução de Veludo, em 1989, que trouxe de volta a democracia, as cicatrizes deixadas por quatro décadas de totalitarismo ainda são visíveis. Elas se expressam não apenas na arquitetura e na economia, mas no imaginário de um povo que aprendeu a desconfiar, a silenciar, a sobreviver à sombra de um Estado opressor.
Por isso, se quiser entender o que foi — e o que realmente significa — o comunismo, venha a Praga. Mas venha com os ouvidos e o coração abertos. Escute os que viveram. Aprenda com a dor alheia. E, ao voltar, reflita profundamente sobre os caminhos que estamos dispostos a trilhar como nação. Nem toda promessa de justiça é justa. Nem toda utopia leva à liberdade.