quarta-feira, 24 de julho de 2024

Kamala Harris e a eleição americana


Em novembro de 2018, escrevi: "Ouso dizer que nos próximos anos, no berço da democracia mais liberal do mundo, deverá nascer um forte Partido Socialista (talvez a recriação do Socialist Party of America, que cessou atividades na década de 70), ou quem sabe sejam eles os hegemônicos dentro do Partido Democrata." (Em "Socialismo à americana" de 5 de novembro de 2018 — https://nilosergiobezerra.blogspot.com/2018/11/socialismo-americana.html).

Devo afirmar, ainda que docemente constrangido, que minha previsão de 2018 é notavelmente perspicaz. A dinâmica política nos EUA tem evoluído de maneira que confirma muitas de minhas observações.

A renúncia de Biden abriu um cenário onde os democratas podem escolher entre uma competição interna ou apoiar Kamala Harris diretamente. Isso pode levantar entre os eleitores uma questão de legitimidade por não ter participado das primárias, mas pelo quadro que se desenhou nos últimos dias, a Sra. Harris está virtualmente consagrada como candidata, ainda que a convenção só acontecerá em agosto (de 19 a 22 de agosto).

A Sra. Harris tem uma forte ligação com a ala progressista do Partido Democrata, juntamente com figuras como Bernie Sanders. Sua posição como uma política progressista da Califórnia pode ser um desafio em estados "pêndulo", sendo essenciais para vencer eleições gerais nos EUA. Para equilibrar a chapa e atrair eleitores moderados e independentes, Harris provavelmente escolherá um vice-presidente que represente a ala moderada do Partido Democrata. Essa escolha pode ajudar a amenizar as preocupações de eleitores centristas e conservadores.

Deverá haver um ajustamento do seu discurso para ser mais palatável aos conservadores e eleitores moderados. Ela precisará unir as várias facções no Partido Democrata. A escolha de um parceiro de chapa moderado pode ajudar a mitigar divisões internas. Mesmo assim, não poderá fugir muito de suas posições progressistas expostas ao longo de seus mandatos, visto que lá não será proibido que Donald Trump e sua equipe de campanha explorem posturas radicais defendidas anteriormente pela virtual candidata.

Vai ser interessante ver como Kamala Harris, se confirmada candidata na convenção de agosto, equilibrará seu discurso moderado com as demandas de movimentos como Black Lives Matter e grupos como os Democratic Socialists of America (DSA), que navegam com cada vez mais influência no Partido Democrata.

Embora um novo Socialist Party of America não tenha sido formalmente estabelecido, a influência da ala progressista no Partido Democrata continua a crescer. A capacidade de Kamala Harris em navegar nessas águas complexas determinará o futuro não apenas de sua carreira política, mas também da direção do Partido Democrata e da nação americana como um todo.

segunda-feira, 15 de julho de 2024

A tentativa de assassinato contra Trump*


O ex-presidente Donald Trump foi conduzido para fora do palco, protegido por agentes do Serviço Secreto, com o rosto ensanguentado depois que uma bala perfurou sua orelha durante um comício de campanha em Butler, Pensilvânia, em 13 de julho.

O ataque marcou o primeiro tiroteio contra um presidente ou candidato presidencial dos EUA desde que o presidente Ronald Reagan sobreviveu a uma tentativa de assassinato em 1981.

Tiros foram disparados contra o ex-presidente Donald Trump durante uma manifestação da plateia. Levando a mão à orelha, ele rapidamente agacha-se protegendo-se no seu pódio. Toda a multidão atrás dele reage com a mesma rapidez, também caindo em um agachamento atrás do palco. Neste momento, pelo menos sete agentes do Serviço Secreto protegem o ex-presidente, caindo em cima dele para cobrir seu corpo de novos tiros.

Por quase um minuto inteiro, o ex-presidente Trump permanece exposto no palco, com o corpo coberto por agentes do Serviço Secreto. Neste ponto, o ex-presidente Trump começa a se levantar lentamente, ainda coberto por agentes. Sua camisa e cabelo estão desgrenhados, e uma corrente de sangue corre pelo lado direito do seu rosto. Ao se levantar, o ex-presidente ergue o punho para a multidão e grita: “Lutem, lutem, lutem!”.

O ex-presidente Donald Trump, cuja orelha direita foi perfurada por uma das balas, é levado para fora do palco por agentes do Serviço Secreto dos EUA e escoltado para um veículo próximo.

O porta-voz do Serviço Secreto, Anthony Guglielmi, divulgou um comunicado dizendo que o suspeito disparou vários tiros de uma posição elevada fora do local do comício. Os agentes do Serviço Secreto "neutralizaram o atirador", que já estava morto. O comunicado diz ainda que um espectador morreu e dois espectadores ficaram gravemente feridos.

Kevin Rojek, agente especial encarregado do escritório de campo do FBI em Pittsburgh, concedeu uma entrevista coletiva chamando o tiroteio de tentativa de homicídio. Ele também diz que os investigadores trabalham para identificar a motivação da tentativa de homicídio.

Registro com tristeza e indignação a cobertura da grande imprensa brasileira e mais que isso, centenas de comentários que só a sociopatia ou psicopatia podem justificar a vileza, ignomínia e canalhice de duvidarem da tentativa de assassinato de Trump.

* Sintetização de reportagem do The Epoch Times, de autoria dos jornalistas Eva Fu, Frank Fang e Joseph Lord.

quarta-feira, 10 de julho de 2024

A Federal no encalço de Bolsonaro


A recente apuração da Polícia Federal (PF), que corrigiu o valor dos bens que o ex-presidente Jair Bolsonaro e seus auxiliares teriam tentado desviar, de R$ 25.298.083,73 para R$ 6.826.151,66, levanta sérias dúvidas sobre a precisão e a competência do órgão em questão. É fundamental questionar a credibilidade dessa apuração, dada a discrepância significativa entre os valores inicialmente informados e a correção posterior.

Primeiramente, é inconcebível que um "erro material na conclusão" resulte em uma diferença tão expressiva de quase 20 milhões de reais. Tal falha sugere uma falta de rigor e atenção aos detalhes, elementos que são essenciais em investigações de alta relevância como esta. A confiança pública na Polícia Federal é essencial para a manutenção do estado de direito, e erros desse calibre comprometem a integridade das investigações e a credibilidade da instituição.

Em um cenário político tão polarizado, é crucial que as investigações sejam conduzidas de forma transparente e isenta. A população merece respostas claras e precisas, não justificativas vagas sobre erros materiais. A inconsistência nos números também desvia a atenção do público e da mídia da questão mais importante: a veracidade das acusações.

Em suma, a justificativa da PF para a alteração dos valores é insatisfatória e preocupante. É imperativo que haja uma revisão independente dessa apuração para garantir que todas as informações sejam verificadas com precisão. A transparência e a exatidão são pilares fundamentais para a justiça, e a população brasileira merece nada menos que isso.

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Do Twitter de Jair Bolsonaro:

Aguardemos muitas outras correções. A última será aquela dizendo que todas as joias "desviadas" estão na CEF, Acervo ou PF, inclusive as armas de fogo.

Aguarda-se a PF se posicionar no caso Adélio: "quem foi o mandante?"

Uma dica: o delegado encarregado do inquérito é o atual Diretor de Inteligência.

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Wajngarten, sobre relatório da Polícia Federal: ‘Obra de ficção de 5ª categoria’

O advogado de Bolsonaro também criticou o programa Jornal Nacional, da Globo, que não leu a íntegra de sua nota sobre o caso das joias

O advogado de Jair Bolsonaro, ex-presidente, Fabio Wajngarten, caracterizou o relatório da Polícia Federal (PF) como “uma obra de ficção de 5ª categoria”. Em uma nota enviada ao Jornal Nacional, da TV Globo, nesta segunda-feira, 8, ele adicionou: “Para não chamar de mentiroso ou perseguição política rasteiras”.

Wajngarten também criticou o Jornal Nacional por não ter lido a íntegra de seu comunicado. “Como sempre não foi lida integralmente pela Globo Lixo”, afirmou, no Twitter/X.

No decorrer do programa, a repórter Renata Vasconcellos limitou-se a informar que Wajngarten rotulou o relatório como uma “obra de ficção”.

O caso das joias de Bolsonaro e o caso da conta de luz


Um texto de Mario Sabino

Os jornalistas estão entretidos com as joias que Bolsonaro teria tentado surrupiar. Mas é outro escândalo que deveria estar nas manchetes

A Polícia Federal primeiramente disse que elas valeriam, no total, R$ 25 milhões. Horas depois da divulgação dessa cifra, veio uma correção: na verdade, elas valeriam R$ 6,8 milhões. A Polícia Federal, como se vê, está cada vez mais científica, e a diferença pouca fala muito da qualidade da investigação.

Em matéria de escândalo, porém, há um incomensuravelmente maior. Ele é que não deveria sair das manchetes, mas que vai ficar por isso mesmo, porque ficou combinado que o único vilão que existe na nossa pitoresca democracia é Jair Bolsonaro.

O jornalista Daniel Weterman publicou que “executivos da Âmbar Energia, empresa do Grupo J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista, foram recebidos 17 vezes no Ministério de Minas e Energia fora da agenda oficial antes da edição da medida provisória que beneficiou um negócio da companhia na área de energia elétrica e repassou o custo para todos os consumidores brasileiros. O ministério e a Âmbar afirmam que não trataram da medida provisória nas conversas, mas não informam o conteúdo dos encontros”.

A derradeira reunião foi entre o presidente da Âmbar, Marcelo Zanatta, e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e ocorreu apenas uma semana antes do texto da medida provisória, um presentão do governo Lula para Joesley e Wesley, sair do ministério para a Casa Civil.

Dez dias após desse encontro, o grupo J&F comprou a Âmbar — que, dois dias depois, seria agraciada com a assinatura da MP. A medida provisória socorreu o caixa da Amazonas Energia para ela poder pagar as termelétricas da Âmbar que são suas fornecedoras. E de quem o grupo J&F comprou a Âmbar? Da Eletrobras. O governo vendeu a empresa para os irmãos Batista e pagou pela sua compra.

Quer dizer, não foi o governo que pagou. Fomos nós. Porque o dinheiro que irá para a empresa dos irmãos Batista, após fazer pit stop no caixa da Amazonas Energia, sairá da conta de luz de todos os brasileiros durante quinze anos. Repetindo: quinze anos. Especialistas no setor calculam que o custo total para os consumidores poderá chegar a R$ 30 bilhões.

Pode voltar a ler sobre o caso das joias de Bolsonaro. O último a sair, apague a luz.

quinta-feira, 4 de julho de 2024

O problema não é Bolsonaro


Finalmente o "Sistema" conseguiu o indiciamento de Jair Bolsonaro em um dos inúmeros processos que tramitam no STF. Trata-se da suposta venda de joias que o ex-Presidente teria recebido quando no exercício da Presidência e que a acusação entende que deveriam ter sido incorporadas ao patrimônio público. Mas no campo político importa menos qual o processo. Poderia até ser a ridícula acusação de importunar a baleia. Para o brasileiro comum que não é ingênuo ou desinformado, está muito clara qual é a intenção.

A defesa de Bolsonaro defende que os processos que estão no Supremo Tribunal Federal devem ser enviados para a primeira instância, uma vez que ele não é mais detentor de foro privilegiado (foro por prerrogativa de função). Essa tese, inclusive, já teve manifestação favorável da Procuradoria Geral da República, mas eles estranhamente continuam no STF.

Feito o primeiro indiciamento (outros virão, certamente) urge divulgar insistentemente na mídia "domesticada" para tornar a ideia vulgarizada e aceita, ou pelo menos ignorada pelo cidadão comum. Há que haver uma narrativa "embalada" em um processo judicial mais ou menos digerível e paciência para alcançar o objetivo final: a prisão de Bolsonaro!

Já o tornaram inelegível, mas descobriram que isto não foi suficiente. Quanto mais o perseguem, mais ele se move no país e arrasta multidões. E se de repente devolvem-lhe a elegibilidade, como já aconteceu com um ex e atual presidente que estava preso e inelegível? Tem que prender, para dificultar ainda mais uma eventual volta sua. E se deixá-lo livre para ir a um palanque, por exemplo, de sua mulher Michelle? Ou do Governador Tarcísio? Ou quem sabe, de ambos? É uma temeridade!

Sabe minha opinião? Não tem jeito! O problema não é Bolsonaro. O cidadão comum, o brasileiro mais humilde, repentinamente descobriu-se interessado em política. Foi retirado o véu que encobria o dito "Sistema" e exposto quanto mal ele pode fazer à sociedade brasileira, que tipo de "manipulação das leis e procedimentos legais como instrumento de combate e intimidação a um oponente, desrespeitando os procedimentos legais e os direitos do indivíduo". Definitivamente, não tem mais jeito. Mais cedo ou mais tarde, tudo isso vai ruir.

quarta-feira, 3 de julho de 2024

A Burrinha Sabonete


Nos idos dos anos 50, cedo de uma manhã qualquer, o delegado da pequena cidade de Belaventura estava em sua casa tomando vagarosamente uma xícara de café. O delegado era um civil, membro de família tradicional da cidade e representante do Partido Político que estava no poder em nível estadual.

Aquele momento de paz foi rompido por batidas apressadas na porta. Sem sequer esperar um convite para entrar, seu compadre Zé Lotero, um homem suado e de expressão aflita, adentrou a sala. Ele estava visivelmente perturbado, os olhos arregalados e a respiração ofegante. Sem nenhuma formalidade, começou a falar:

— Cumpade, aquele nêgo rim dos Amaro roubou minha fia Fransquinha, sua afiada, onte de noite. Me dissero que tinham ido lá pro outro lado da serra. Cumpade, você acha que ele buliu em minha fia?

O delegado, um homem de meia-idade vestido com seu tradicional terno de linho branco, recostou-se na cadeira de balanço. Calmamente, tirou um cigarro do bolso do paletó, acendeu-o e deu uma longa tragada antes de responder.

— Cumpade, ele eu num sei não... — começou o delegado, soltando a fumaça devagar. — Mas um dia desses eu fui fazer uma diligência lá, e só na subida da serra eu comi minha burrinha Sabonete três vezes.

* Consta que a história é verdadeira e como a cidade e os personagens são conhecidos, resolvi escrever usando nomes fictícios para não ferir susceptibilidades.