sábado, 19 de março de 2022

Estocolmo ou O dia em que quebrei o rádio




Estocolmo é uma cidade de cerca de um milhão de habitantes, abrangendo 14 ilhas e meia centena de pontes que fazem a ligação entre as diversas ilhas. É uma cidade pulsante, colorida e principalmente no verão, um lugar para ser visitado.

Desembarcando da viagem de Helsinque, fui de taxi direto para o Sofo Hotel que eu havia pré-reservado. O hotel é modesto, mas confortável e de excelente localização. Essa era a segunda vez que visitava a cidade. A primeira visita eu a fizera acompanhado e com uma programação estabelecida, palestras, etc. Não dessa vez. Estava sozinho, sem nenhum compromisso ou obrigação. Como dizíamos na minha infância em Várzea Alegre: "solto na buraqueira".

O resto do dia da chegada não conta. Depois do almoço, recolhi-me ao hotel para um merecido e necessário repouso. A noitada no navio da Viking Line deixara sequelas.

O dia seguinte foi para reconhecimento de terreno. Coisas como longas caminhadas a pé, sem destino e sem rumo certo, apenas observando o colorido da cidade e a fauna humana. Ouvindo os inaceitáveis e reprováveis comentários do Deputado Arthur do Val sobre as mulheres ucranianas, confesso que lembrei dessa viagem à Suécia. Não pelo nojo que causa a afirmativa de que as mulheres "são fáceis porque são pobres", mas pelo fato de serem lindas.

O regime político sueco é uma Monarquia Parlamentarista, cujo Chefe de Estado é o rei Carlos XVI Gustavo, casado com a rainha Sílvia Renata, filha de um empresário alemão e mãe brasileira. Isso despertou minha curiosidade de, como primeira visita, conhecer o Palácio Real de Estocolmo. É uma pomposa construção do Século XVI, adaptado de uma fortaleza construída no Século XIII. Vaguei um pouco pelas cercanias sem direito a entrar (sequer sei se visitas são permitidas), mas imaginando o que havia de história e cultura enterradas naquela edificação.

O jantar foi em um restaurante próximo ao hotel com música ao vivo, e para minha surpresa a apresentação de um trio argentino tocando o melhor do jazz. Pedi uma massa com almôndegas que traduzido para o cearensês nada mais é do que macarrão com bolinhas de carne moída.

Nas viagens em que você está sozinho, por sua conta e sem compromissos de programação, deve separar pelo menos um dia para fazer o roteiro do turista tradicional. Foi exatamente o que fiz: a visita ao Swedish History Museum, um passeio de metrô onde e cada estação você encontra verdadeiras galerias de arte (esculpidas em rochas, muitas mantêm a sensação de uma caverna recém-descoberta) etc. O almoço foi no meio da rua, nos chamados "food trucks", que servem comidas das mais diversas origens.

Retornando ao hotel e depois de um necessário descanso, pedi na recepção uma indicação de um barzinho que fosse animado e, ao mesmo tempo em um local agradável. A sugestão não poderia ter sido melhor. No terraço de um edifício de 13 (ou 14?) andares, onde se podia ter uma vista abrangente de Estocolmo e muito bem frequentado, se vocês me compreendem. A ecologia do ambiente, a fauna humana, o cenário, envolveram-me numa euforia interna. Resolvi beber conhaque tirando o gosto com generosos canecos de chopp. Não foram muitos até que eu começasse a desconfiar estar na hora de "ir para casa".

Devia ser umas nove da noite, dia claro ainda, chegando ao hotel. O Sofo tem uma escada até a recepção, como mostrado na imagem. Talvez 15 degraus. Entre o primeiro e o segundo degraus perdi o equilíbrio e rolei escada abaixo até o hall de entrada. Fiquei alguns segundos inerte, tempo suficiente para que o recepcionista me acudisse, ajudando-me a levantar do piso atapetado e sentar na cadeira mais próxima. Havia sangue sobre a mão esquerda e um corte profundo no dedo anelar. O recepcionista aconselhou-me a ir a um hospital. Eu bem que podia ter ido, uma vez que sempre tenho a cautela de viajar com seguro saúde. Mas a mente obnubilada pelo álcool e ainda o temor de sofrer alguns pontos no corte do dedo, fizeram-me resistir à ideia. Trouxeram então um estojo de primeiros socorros e ali mesmo foi feito um curativo. Recolhi-me ao quarto e adormeci.



Foi a madrugada mais longa que já varei em toda minha agitada existência. Acordei por volta das duas da manhã com uma dor lancinante no punho esquerdo. Liguei para a portaria e pedi um saco com gelo. Tentei envolver o pulso com gelo fixado com uma toalha. A partir desse momento não consegui mais dormir. A espera até a manhã foi de uma monotonia estranha: um misto de cansaço e desamparo. E pressa, muita pressa para que o tempo passasse rápido.

Antes das sete da manhã, dirigi-me à recepção do hotel e pedi-lhes que me indicassem uma farmácia. Felizmente a pouco mais de uma quadra havia uma. Caminhei até lá e esperei uns dez minutos, atendendo ao aviso pendurado na porta de que seria aberta às 7:00 horas. Ali fui atendido por uma empregada que se disse estudante de enfermagem. Indicou-me um gel para massagear o pulso e um protetor desses usados por esportistas. Trocou, não sem criticar, o curativo do dedo, sem saber por quem e em que circunstância foi realizado.

Voltei ainda uma vez à farmácia, para trocar o curativo e comprar material para fazer o procedimento no resto da viagem. Afinal, ainda estava apenas na metade das férias. Prossegui para Oslo e Copenhague, sempre sentindo dor no pulso, já um pouco arrefecida pelo gel e às vezes um analgésico, bem como pelo protetor (munhequeira).

Apenas quando cheguei ao Brasil, cerca de 12 dias depois, fui ao ortopedista que após radiografia diagnosticou uma fratura no rádio. Eu nem sequer sabia que esse bendito osso existia no corpo humano. A partir daí foram três meses de fisioterapia e ainda assim não consigo até hoje fazer o movimento completo do pulso esquerdo. Lembrança sombria da Suécia onde quebrei o rádio.

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