Um velho engenheiro aposentado que combate o ócio tentando escrever textos inspirados nos acontecimentos do cotidiano. Autor dos livros “… E A VIDA ACONTECEU! FASE 1” , “INQUIETAÇÕES NOTURNAS, REFLEXÕES NAS MADRUGADAS” e “… E A VIDA ACONTECEU! FASE 2”.
domingo, 27 de março de 2022
“Opus Dei”
Em 2006, o assunto “Opus Dei” estava na ordem do dia. O candidato a Presidente pelo PSDB em quem eu desejava votar, Geraldo Alckmin, era acusado de ser membro dessa organização religiosa. Fiquei um pouco hesitante e busquei saber o que de tanto mal havia nesse segmento da Religião Católica. Eu não me recordava de ter ouvido falar antes, confesso minha ignorância.
Descobri que é não mais do que "uma organização católica romana leiga e clerical, cujos membros buscam a perfeição cristã pessoal e se esforçam para implementar os ideais e valores cristãos em suas ocupações e na sociedade como um todo".
O Opus Dei foi fundado em 1928 na Espanha por São Josemaria Escrivá de Balaguer y Albás, sacerdote formado em direito. Esse sacerdote foi canonizado em 2002 pelo Papa João Paulo 2º. Acreditando que a vida cotidiana pode ser santificadora, Escrivá procurou encorajar os leigos e sacerdotes católicos na busca da santidade por meio de suas próprias profissões.
Recentemente voltei à pesquisa e nela encontrei o website da organização - www.opusdei.org - extremamente informativo. Chamou-me a atenção principalmente o depoimento de um jovem cantor lírico espanhol, cujo primeiro nome é Henrique, contando sua trajetória de vida. Ele inicia sua história dizendo: "Nasci numa casa socialista, recebi uma educação 'soviética' assente na cultura, na música, na literatura e no desporto! Reinava a ditadura do proletariado, como dizia muitas vezes (por piada) a minha mãe: 'Eu trabalho, eu mando, vocês obedecem!' O dia mais celebrado lá em casa é, sem surpresas, o 25 de Abril - dia da comemoração da Revolução dos Cravos".
E segue o jovem português:
"Ao entrar para o 9º ano, segui os passos da minha irmã mais velha e juntei-me à Juventude Comunista Portuguesa. A partir do ano seguinte, a minha atividade política intensifica-se brutalmente, tornei-me uma figura de destaque na escola (incluindo ser presidente da associação de estudantes) e passei a fazer a vida negra a professores e diretores 'reaccionários e fascistas'!
Cheguei mesmo a ter uma namorada católica, através de quem fui mudando a minha forma de olhar para a realidade. Não porque os argumentos me servissem! Continuava a considerar um fetichismo, uma superstição antiquada! Mas porque a alegria destes meus amigos era genuína e contagiante. Eu vivia angustiado por querer mudar o mundo, não percebendo que quem tinha de mudar era eu...
Quando chegou a hora de ir para a faculdade, decidi fazer provas para me licenciar em teatro e ser ator. Estava totalmente confiante. Mas não fui admitido. E aqui começou a ser posta em causa a minha crença materialista da auto-suficiência do ser humano. Como se não bastasse, passados seis meses, a namorada católica põe fim à nossa relação…
Na manhã do dia seguinte, no meio de uma angústia inenarrável, de um modo inexplicável (só depois lhe chamei uma extraordinária graça de Deus), sou levado, diria mesmo: puxado!, até à Igreja do Campo Grande. E aí, pela primeira vez, encontro-me sozinho, cara-a-cara, com Jesus. Toda a tristeza foi sugada por Deus presente no Sacrário… Estava a converter-me e não sabia ainda como explicar este misterioso fenómeno! Eu que antes dizia: 'Nunca acreditarei em Deus!', fui obrigado a reconhecer que nunca mais poderia voltar a afirmar que não acredito em Deus..."
Você não é obrigado a acreditar nesse testemunho. Sequer a ser cristão. Nem mesmo crer na honestidade do depoimento do lusitano Henrique. Mas há aí um processo de aproximação com a doutrina do catolicismo. O socialista não se tornou católico da noite para o dia.
Este texto sintetiza a história da conversão de um jovem português que percorreu o caminho do socialismo para o Opus Dei.
Você lembra de alguem que recentemente fez o trajeto inverso? E sem que haja tido todo um processo de elaboração do novo conceito? É inimaginável que alguem negue toda um trajetória de vida num piscar de olhos, em um estalar de dedos, unindo-se a pessoas a quem recentemente acusava de responsável por todas as mazelas que afligem o país.
Perdoe-me Geraldo Alckmin mas não posso acreditar em você. Concordo com o jornalista José Roberto Guzzo que acaba de publicar no jornal O Estado de São Paulo que "Lula-Alckmin é a aliança mais cínica de que se tem notícia na vida pública brasileira. Alckmin, ao se unir a Lula, está se unindo a tudo que sempre combateu em sua vida."
E ainda: "O ex-governador Geraldo Alckmin está entrando para a história política do Brasil como um caso extremo de hipocrisia, de falsidade ou de oportunismo - ou, muito provavelmente, as três coisas ao mesmo tempo."
Que Deus se apiade do Brasil!
sábado, 19 de março de 2022
Estocolmo ou O dia em que quebrei o rádio
Estocolmo é uma cidade de cerca de um milhão de habitantes, abrangendo 14 ilhas e meia centena de pontes que fazem a ligação entre as diversas ilhas. É uma cidade pulsante, colorida e principalmente no verão, um lugar para ser visitado.
Desembarcando da viagem de Helsinque, fui de taxi direto para o Sofo Hotel que eu havia pré-reservado. O hotel é modesto, mas confortável e de excelente localização. Essa era a segunda vez que visitava a cidade. A primeira visita eu a fizera acompanhado e com uma programação estabelecida, palestras, etc. Não dessa vez. Estava sozinho, sem nenhum compromisso ou obrigação. Como dizíamos na minha infância em Várzea Alegre: "solto na buraqueira".
O resto do dia da chegada não conta. Depois do almoço, recolhi-me ao hotel para um merecido e necessário repouso. A noitada no navio da Viking Line deixara sequelas.
O dia seguinte foi para reconhecimento de terreno. Coisas como longas caminhadas a pé, sem destino e sem rumo certo, apenas observando o colorido da cidade e a fauna humana. Ouvindo os inaceitáveis e reprováveis comentários do Deputado Arthur do Val sobre as mulheres ucranianas, confesso que lembrei dessa viagem à Suécia. Não pelo nojo que causa a afirmativa de que as mulheres "são fáceis porque são pobres", mas pelo fato de serem lindas.
O regime político sueco é uma Monarquia Parlamentarista, cujo Chefe de Estado é o rei Carlos XVI Gustavo, casado com a rainha Sílvia Renata, filha de um empresário alemão e mãe brasileira. Isso despertou minha curiosidade de, como primeira visita, conhecer o Palácio Real de Estocolmo. É uma pomposa construção do Século XVI, adaptado de uma fortaleza construída no Século XIII. Vaguei um pouco pelas cercanias sem direito a entrar (sequer sei se visitas são permitidas), mas imaginando o que havia de história e cultura enterradas naquela edificação.
O jantar foi em um restaurante próximo ao hotel com música ao vivo, e para minha surpresa a apresentação de um trio argentino tocando o melhor do jazz. Pedi uma massa com almôndegas que traduzido para o cearensês nada mais é do que macarrão com bolinhas de carne moída.
Nas viagens em que você está sozinho, por sua conta e sem compromissos de programação, deve separar pelo menos um dia para fazer o roteiro do turista tradicional. Foi exatamente o que fiz: a visita ao Swedish History Museum, um passeio de metrô onde e cada estação você encontra verdadeiras galerias de arte (esculpidas em rochas, muitas mantêm a sensação de uma caverna recém-descoberta) etc. O almoço foi no meio da rua, nos chamados "food trucks", que servem comidas das mais diversas origens.
Retornando ao hotel e depois de um necessário descanso, pedi na recepção uma indicação de um barzinho que fosse animado e, ao mesmo tempo em um local agradável. A sugestão não poderia ter sido melhor. No terraço de um edifício de 13 (ou 14?) andares, onde se podia ter uma vista abrangente de Estocolmo e muito bem frequentado, se vocês me compreendem. A ecologia do ambiente, a fauna humana, o cenário, envolveram-me numa euforia interna. Resolvi beber conhaque tirando o gosto com generosos canecos de chopp. Não foram muitos até que eu começasse a desconfiar estar na hora de "ir para casa".
Devia ser umas nove da noite, dia claro ainda, chegando ao hotel. O Sofo tem uma escada até a recepção, como mostrado na imagem. Talvez 15 degraus. Entre o primeiro e o segundo degraus perdi o equilíbrio e rolei escada abaixo até o hall de entrada. Fiquei alguns segundos inerte, tempo suficiente para que o recepcionista me acudisse, ajudando-me a levantar do piso atapetado e sentar na cadeira mais próxima. Havia sangue sobre a mão esquerda e um corte profundo no dedo anelar. O recepcionista aconselhou-me a ir a um hospital. Eu bem que podia ter ido, uma vez que sempre tenho a cautela de viajar com seguro saúde. Mas a mente obnubilada pelo álcool e ainda o temor de sofrer alguns pontos no corte do dedo, fizeram-me resistir à ideia. Trouxeram então um estojo de primeiros socorros e ali mesmo foi feito um curativo. Recolhi-me ao quarto e adormeci.
Foi a madrugada mais longa que já varei em toda minha agitada existência. Acordei por volta das duas da manhã com uma dor lancinante no punho esquerdo. Liguei para a portaria e pedi um saco com gelo. Tentei envolver o pulso com gelo fixado com uma toalha. A partir desse momento não consegui mais dormir. A espera até a manhã foi de uma monotonia estranha: um misto de cansaço e desamparo. E pressa, muita pressa para que o tempo passasse rápido.
Antes das sete da manhã, dirigi-me à recepção do hotel e pedi-lhes que me indicassem uma farmácia. Felizmente a pouco mais de uma quadra havia uma. Caminhei até lá e esperei uns dez minutos, atendendo ao aviso pendurado na porta de que seria aberta às 7:00 horas. Ali fui atendido por uma empregada que se disse estudante de enfermagem. Indicou-me um gel para massagear o pulso e um protetor desses usados por esportistas. Trocou, não sem criticar, o curativo do dedo, sem saber por quem e em que circunstância foi realizado.
Voltei ainda uma vez à farmácia, para trocar o curativo e comprar material para fazer o procedimento no resto da viagem. Afinal, ainda estava apenas na metade das férias. Prossegui para Oslo e Copenhague, sempre sentindo dor no pulso, já um pouco arrefecida pelo gel e às vezes um analgésico, bem como pelo protetor (munhequeira).
Apenas quando cheguei ao Brasil, cerca de 12 dias depois, fui ao ortopedista que após radiografia diagnosticou uma fratura no rádio. Eu nem sequer sabia que esse bendito osso existia no corpo humano. A partir daí foram três meses de fisioterapia e ainda assim não consigo até hoje fazer o movimento completo do pulso esquerdo. Lembrança sombria da Suécia onde quebrei o rádio.
quinta-feira, 3 de março de 2022
Um Governo de 48 horas!
Antes de Constituição Estadual de 1989, a linha de sucessão estadual era, pela ordem: o Vice-Governador, o Presidente da Assembléia, o 1º Vice-Presidente da Assembléia e o Presidente do Tribunal de Justiça (essa sequência foi modificada na Constituição de 1989 por uma emenda do Deputado Francisco José de Figueiredo Correia que priorizava o Presidente da Assembléia e em seguida o Presidente do Tribunal de Justiça do Ceará - Art. 62).
Na renovação da Mesa Diretora da Assembléia, em 1989, o PDS cujo Presidente era Aécio de Borba, fez acordo com o PSDB de Tasso Jereissati contra a postura das lideranças do interior do Estado e a maioria da bancada de Deputados. Esse acordo foi costurado em Brasília por Mauro Benevides e Aécio e ficou conhecido como o acordo dos cunhados. Eu era líder da bancada do PDS e certamente o Deputado que mais agressivamente criticava o Governo. Era uma violência contra tudo que eu havia feito e defendido no exercício do meu mandato.
Na véspera da eleição da Mesa Diretora passei a noite em claro. Literalmente. Lá pelas tantas da madrugada, decidi que ia pedir a palavra no início da sessão, renunciar à liderança do Partido e anunciar meu voto no candidato da oposição. O Presidente Aécio de Borba havia marcado uma reunião, um café da manhã, com toda a bancada no apartamento do Deputado Antônio Jacó. Nessa madrugada eu também decidira não comparecer à reunião.
Aécio era um craque na política e sabia quanto era custoso para mim, acatar aquele acordo. Sabia também da gratidão e admiração que eu nutria pelo recém-falecido Virgílio Távora. Quando eu me preparava para sumir até a hora da votação, liga o porteiro do condomínio onde eu morava dizendo que o Deputado Carlos Virgílio estava subindo. Era pouco mais de 6:00 horas da manhã. Pedi à secretária de casa para preparar um café enquanto tomava um banho rápido. Seguiu-se um dos momentos mais difíceis de todo aquele período. Carlos Virgílio discorreu sobre a credibilidade de um Partido que fazia acordos e os cumpria, argumentou que o candidato que o PDS estava apoiando (Deputado Pinheiro Landim) não era o candidato "in pectore" do Governador Tasso Jereissati, etc. Foi mais de uma hora de um processo argumentativo veemente. Por fim ele me fez a seguinte pergunta: "você acha que se o papai fosse vivo pediria para você apoiar o candidato de Totó (Gonzaga Mota)?" Isso me desmoronou por inteiro.
A verdade é que fui ao café da manhã com Aécio, saí de lá 1.º Vice-Presidente da Assembléia e graças a isso, futuro Governador por 48 horas. O Governo mais profícuo, correto e equilibrado que este Estado já presenciou. Não demiti nem admiti ninguém, não persegui adversários nem beneficiei correligionários, comandei um Governo de paz e prosperidade. Mas esta é outra história que contarei oportunamente.
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