
Naquele 5 de novembro de 1968, a manchete principal do The New York Times estampava: "Nixon vence por pequena margem, defendendo uma nação reunida". Era o resultado final da eleição americana entre o candidato Democrata, Hubert Humphrey, então Vice-Presidente e ex-Senador por Minnesota e o candidato Republicano, ex-Vice-Presidente e Senador pelo Estado da Califórnia, Richard Nixon, além do candidato independente George Wallace, ex-Governador do Alabama, que defendia abertamente a segregação racial.
Naquele ano foram mortos o líder cristão e ativista dos direitos civis, Martin Luther King Jr., o advogado e Senador pelo Estado de Nova Iorque, eventual candidato Democrata, Robert Kennedy. Mais grave ainda, o Presidente Democrata Lindon Johnson fizera uma escalada na impopular guerra do Vietnam, de sorte que havia ali cerca de 500.000 jovens soldados americanos estacionados. Seguiram-se ao assassinato de Martin Luther King distúrbios raciais em todo o país e manifestações populares contra a Guerra do Vietnã em universidades americanas. O assassinato do representante da família Kennedy, a desistência do Presidente Johnson de pleitear a reeleição, a onda de crimes e mais que isso a postura incoerente do Partido Democrata (enquanto o Presidente Democrata fazia uma escalada no Vietnam, o candidato do Partido encabeçava um movimento contra a guerra), podem explicar a improvável vitória de Nixon.
O grande trunfo do Partido Democrata poderia ter sido o Senador Robert Kennedy. Ele é reconhecido como um dos grandes da história política americana. Em 1968, tinha apenas 42 anos. Tinha o nome mais glamouroso da política; trazia consigo a tragédia do assassinato do irmão John Kennedy, de quem administrara a campanha presidencial em 1960 e atuou como seu procurador-geral após a eleição. "Era uma espécie de messias existencialista. Na Convenção Nacional Democrata de 1964, em Atlantic City, ele recebeu uma ovação de vinte e dois minutos, apenas por aparecer no palco. Havia uma crueza no rosto e na voz de Kennedy que parecia combinar com o clima nacional. Ele foi a personificação da dor do país sobre seu líder caído. E ele tinha a capacidade de refletir de volta o que os eleitores projetavam para ele. Ele parecia combinar juventude com experiência, intelecto com coração, senso de rua com visão. Ele era um herói para os colhedores de uvas chicanos, para os afro-americanos da cidade, para os trabalhadores sindicais. Ele era um homem dos tempos em que estavam mudando."
Não se deve, no entanto, minimizar o talento do candidato Richard Nixon em interpretar as inquietações e angústias da sociedade americana naquele momento. Soube colocar-se como o Presidente que uniria seu povo, como estampado na capa do The New York Times. Instrumentalizou sua campanha prometendo restaurar a lei e a ordem nas cidades do país, assolado por motins e crimes. E venceu a eleição!
Este ano teremos eleição para a Casa Branca novamente. Concorrem pelo Partido Republicano o atual Presidente, Donald Trump e pelos Democratas o ex-Vice-Presidente e ex-Senador pelo Estado do Delaware, Joe Biden. Se no final do ano passado pedissem-me um prognóstico da eleição de 2020, eu teria dito que o Presidente, candidato á reeleição, era extremamente competitivo. Muito provavelmente sairia vencedor. Tangido por uma ecologia econômica altamente favorável (crescimento do PIB de 2,3%, redução do deficit comercial, taxa de desemprego de 3,4% - a menor em 50 anos) e com uma fidelidade dos simpatizantes ao seu Partido acima de 92%, era "pule de 10" na eleição (expressão utilizada no turfe, quando um cavalo é muito superior aos demais e sua vitória é tida como certa).
Eis que o inesperado acontece. Surge a tragédia planetária do SARS-CoV-2, popularmente conhecido como Covid 19 ou CoronaVírus. A doença que abalou o mundo, está ceifando dezenas de milhares de vidas (já morreram mais de cem mil americanos até o final de maio) e colocou a economia mundial de ponta-cabeça. O grande trunfo de Trump desmoronou. O PIB do primeiro trimestre de 2020 dos EUA caiu 4,8%, na taxa anualizada. A taxa de desemprego saltou para 14,7%. Analistas políticos avaliam que se a eleição fosse hoje, o Presidente seria Joe Biden.
Recentemente, um policial branco assassinou um indefeso cidadão afro-americano, George Floyd. Essa morte foi filmada e veiculada dezenas de milhares de vezes nas televisões e mídias sociais de todo o mundo. Uma incontrolável onda de indignação e protesto espalhou-se pelo planeta, acontecendo com mais intensidade e volume nos Estados Unidos, por razões óbvias. Hoje já são sete dias de manifestações em mais de 150 cidades americanas e em algumas, a barbárie, destruição, violência, saques, enfim o que há de mais reprovável tem acontecido, a ponto de ser necessário o estabelecimento de toque de recolher em algumas. Esse episódio, também inesperado, pode influenciar no resultado da eleição presidencial. O então "marcado para perder" Presidente Trump poderá, explorando o conservadorismo da sociedade americana, "vender-se" como o Presidente capaz de restaurar a lei e a ordem no país, a exemplo do que fez Nixon em 1968.
No Brasil não teremos eleição para Presidente este ano, mas há uma guerra surda entre o Grupo que está no poder e extensos segmentos da sociedade brasileira. A oposição ao Presidente Bolsonaro a cada dia soma mais adesões e há em curso um inegável movimento para afastá-lo. Nos últimos dias esse movimento tem ganhado força com a divulgação de declarações de diversos líderes políticos e da sociedade civil. Junte-se a isso a incontrolável pandemia do Covid 19 e a debacle econômica citada anteriormente. O Governo vive um momento de vulnerabilidade. Felizmente (para ele), surgiram recentemente grupos contrários que se dizem defensores da democracia, atuando com violência, depredando patrimônio público e privado, desrespeitando símbolos nacionais, etc. O grande intelectual brasileiro Sérgio Buarque de Holanda estabeleceu a teoria do "homem cordial". Ouso dizer que os brasileiros somos acima de tudo conservadores. Se o Presidente souber explorar esse movimento assumindo para si o papel de fiador da lei e da ordem, zelador da paz social, poderá estancar, pelo menos por enquanto, a quase ostensiva orquestração do seu impedimento.
Nilo, você comentou a morte de Bob Kennedy durante as primárias de 1968. Esse é um fato histórico da máxima relevância que hoje é pouco lembrado. Ele seria um candidato imbatível, provavelmente o mais preparado para o cargo na história dos Estados Unidos, pela sua participação intensa e brilhante poucos anos antes no governo do seu irmão John Kennedy. Sua morte e a eleição de Nixon foram uma reviravolta para os Estados Unidos e para o mundo.
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