quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Um Baitola na Casa Branca?




O título deste artigo pode eventualmente chocar algumas pessoas, mas não devia. Após a vitória de Barack Obama em novembro de 2008, o Jornal Daily Mirror estampou que ele seria "O primeiro Presidente negro dos Estados Unidos" (tradução livre). Em outubro de 2010 o Jornal Correio do Povo trás em sua primeira página a manchete "Mulher no poder" e a revista Época em sua capa a foto da "Presidenta" Dilma e a chamada "Sim, a mulher pode". É bem verdade que o título poderia ser mais polido, como "Um homossexual no Salão Oval", ou algo assim, semelhante aos comentários "Presidente Negro" ou "Mulher no Poder". Acontece que em "cearencês" castiço, baitolas e homossexuais são sinônimos. Sem ofensa.

Isto dito, vamos ao que importa. O candidato a candidato a Presidente dos Estados Unidos pelo Partido Democrata, Pete Buttigieg, cuja única experiência política anterior é ter sido Prefeito de uma cidade com 102 mil habitantes, South Bend - Indiana (algo como Iguatu, no Ceará) é homossexual assumido, casado com o professor de "high school", Chasten Glezman. Até o inicio do processo de escolha do candidato, Pete era um mero desconhecido com o nome perdido entre as mais de duas dezenas de políticos Democratas que haviam instalado comitês exploratórios para participar das primárias.

O Caucus de Iowa, primeiro Estado a ser avaliado no sistema de Primárias e para surpresa de muitos, traz em primeira preferência este jovem de sobrenome difícil e desconhecido. Acendeu uma luz amarela nos diversos candidatos, principalmente para aqueles que eram considerados favoritos. No debate que antecedeu à Primária de New Hampshire (primeira Primária e segundo Estado a ser avaliado), Pete Buttigieg foi alvo de ataques diretos, principalmente do ex-Vice Presidente Biden e do Senador Sanders, numa tentativa de desconstruir o candidato e interromper seu favorável "momentum".

Concluído o processo de votação da Primária de New Hampshire e feita a contagem dos votos, classifica-se em primeiro o Senador Bernie Sanders para surpresa de ninguém, uma vez que já em 2016 ele provara sua forte presença no Estado ao vencer a favorita Hillary Clinton por 60,1% a 37,7%. O que é absolutamente explicável considerando-se que o Senador representa o Estado de Vermont, fronteiriço com New Hampshire, região sob influência da atividade política de Bernie Sanders. O que surpreende é a presença em segundo do candidato Pete Buttigieg ("mordendo o calcanhar" de Sanders e com o mesmo número de delegados), ultrapassando todos os outros favoritos e consolidando-se como um candidato a ser acompanhado durante esse processo de escolha do Democrata.

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Atualizado em 12/02/2020 às 8:07h (Do website www.oantagonista.com)

Sanders vence (e perde)

Bernie Sanders venceu as primárias de New Hampshire.

Em 2016, ele derrotou Hillary Clinton com um total de 152 mil votos, ou 60% do eleitorado. Agora ele obteve apenas 73 mil votos e derrotou Pete Buttigieg por uma margem mínima: 25,9% a 24,4% (com 97% das urnas apuradas).

Em quatro anos, Bernie Sanders perdeu metade de seus votos, apesar de sua barulhenta rede de milicianos digitais.

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

Surpresa na corrida presidencial americana


"A caucus is a meeting of supporters or members of a specific political party or movement."

O centrista Pete Buttigieg (26,2% da preferência eleitoral) é o virtual vencedor do Caucus em Iowa, primeiro passo para a escolha do candidato Democrata à eleição presidencial americana em novembro de 2020. Quem é Pete Buttigieg? Até Iowa o nome dele encontrava-se perdido entre as mais de duas dezenas de pré-candidatos Democratas.

Na primeira apuração efetiva de um Estado, Iowa abriu as entranhas da divisão dentro do Partido Democrata. Os Democratas são muito divididos sobre o que exatamente os está dividindo. Uma óbvia divisão é a demográfica. O até então preferido Joe Biden aposta todas as suas fichas nos votos dos afroamericanos, eleitores com mais de 44 anos e pessoas sem curso superior, enquanto seus mais próximos concorrentes, os Senadores Elizabeth Warren e Bernie Sanders(este mais do que aquela), disputam os votos de americanos brancos, com formação superior e especialmente os eleitores mais jovens. Outra divisão é a ideológica. O Partido, enquanto crescentemente liberal, continua sob o comando dos que se intitulam moderados. Os Democratas concordam amplamente em muitas questões, mas também existem divisões concretas em tudo, desde o sistema de saúde até a imigração.

Concluído o processo no Estado de Iowa,surge a grande surpresa. Aparece à frente da preferência do eleitorado democrata o nome de Pete Buttigieg, cuja experiência política anterior é ter sido prefeito de uma cidade de 100.000 habitantes (South Bend) no Estado de Indiana. É culturalmente bem dotado, uma vez que graduou-se na Harvard University (História e Literatura) e na Oxford University como Bacharel em Artes com o foco em Filosofia, Política e Economia. Poliglota, além do Inglês seu idioma nativo, fala Francês, Maltês, Espanhol e Italiano. Cumpriu serviço militar, tendo inclusive estado durante sete meses no Afganistão.

No que respeita à sua vida pessoal, é filho de um migrante da ilha de Malta, Professor de Literatura na Universidade de Notre Dame em South Bend e de mãe de família tradicional de Indiana. Pete Buttigieg quando prefeito, em entrevista ao South Bend Tribune em 2015, confessou sua homosexualidade. Dois anos depois ficou noivo do professor de segundo grau Chasten Glezman, com quem contraiu matrimônio em junho de 2018. Trata-se pois do primeiro político Democrata assumidamente homossexual, disputando a Presidência dos Estados Unidos.

É uma novidade nas primárias Democratas. Jovem, homossexual, culturalmente favorecido, boa presença de palco, venceu seu primeiro teste rumo à consagração como candidato do Partido. Mas a estrada é longa. 49 outras provas com concorrentes tão fortes como o ex-Vice Presidente Joe Binden, os Senadores Bernie Sanders e Elizabeth Warren e o ex-prefeito de Nova Iorque Michael Bloomberg. Mesmo que consiga a improvável indicação para disputar com o Presidente Trump, como reagirá a tão conservadora sociedade americana? Só o tempo dirá!

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Uma nação dividida




O Artigo II, Seção 3 da Constituição dos Estados Unidos determina ao Presidente "periodicamente fornecer ao Congresso Informações do Estado da União e recomendar à sua consideração as medidas que ele julgar necessárias e convenientes". Isso é chamado de "State of the Union". Anualmente o Presidente dirige-se ao Congresso e diante de Senadores e Deputados faz uma prestação de contas do desempenho do Governo no ano anterior e sinaliza para as ações a serem implementadas no ano que se inicia.

Em 18 de dezembro de 2019 a Câmara Federal (House of Representatives) aprovou o envio ao Senado de uma indicação para o impeachment do Presidente Trump, baseado em dois artigos: Abuso de Poder e Obstrução ao Congresso. Depois de uma série de escaramuças, próprias de casas legislativas, o Senado marcou a votação que determinaria o afastamento do Presidente para o dia 5 de fevereiro.

Em 4 de fevereiro, portanto um dia antes da votação no Senado, o Presidente Trump dirigiu-se ao Congresso para fazer o seu discurso do Estado da União. Ali seria recebido pelo Vice-Presidente Mike Pence (pela legislação americana, o vice-presidente é também o Presidente do Senado) e pela Presidente da Câmara (Speaker of the House Representative), sua arquiadversária Nancy Pelosi. A estes deveria entregar cópia do seu pronunciamento e então ter sua palavra anunciada por Nancy Pelosi. Duas imagens traduzem com fidelidade a tensão existente nesse majestoso e histórico evento: após receber a cópia do discurso pelo Trump, Nancy Pelosi estendeu-lhe a mão sendo solenemente ignorada por ele. A resposta veio no momento em que o Presidente concluiu o pronunciamento: a Presidente da Câmara ostensivamente rasgou a cópia do discurso presidencial, gesto acompanhado em tempo real por toda a mídia presente.

O Presidente Trump encontra-se em plena campanha para a reeleição e nenhum momento mais apropriado para, em nível nacional e com cobertura em tempo real de toda a mídia do país, fazer a apologia do seu primeiro termo. E ele o fez muito bem! Ali não tinha apartes, objeções a serem refutadas. Ao contrário, havia uma grande platéia de Senadores e Deputados republicanos dispostos a aplaudi-lo e sua experiência como ex-apresentador de televisão. A tempestade perfeita para os Democratas.

No dia seguinte o Senado, de maioria Republicana, fez o seu esperado trabalho: enterrou de vez as duas acusações contra o Presidente do seu partido. A 59ª eleição para Presidente em novembro próximo, encontrará o país cada vez mais fragmentado. Como escreví em agosto de 2019 ( God bless America - https://nilosergiobezerra.blogspot.com/2019/08/god-bless-america.html ) - "Ouvi de um amigo, 'baby boomer' americano (geração Woodstock), que desde a década de 1960 não havia visto a sociedade americana tão dividida. Naquela década, foram assassinados o Presidente John Kennedy, seu irmão e Senador Robert Kennedy, o líder religioso e maior expressão contra o apartheid Marthin Luther King Jr, entre outros. Era o auge da Guerra do Vietnam, o maior desastre bélico dos Estados Unidos e que encontrava enorme resistência do seu povo, principalmente dos jovens." - a impressão que tenho é que a divisão social aprofunda-se dia a dia. Esse cenário lembra algum outro país?