
Evidentemente é prematura qualquer especulação sobre o que deverá acontecer com as nações após a vitória sobre o coronavirus, em um momento no qual o principal foco é a sobrevivência. No entanto, assim como atribui-se aos poetas a liberdade de expressão não aceitável fora da literatura (a licença poética), o ócio mandatório permite-nos a construção de cenários futuros (a licença quarentena).
Os países europeus de uma maneira geral, concluída a segunda guerra mundial, encontravam-se com suas economias absolutamente fragilizadas, considerando-se que o continente se constituiu no principal cenário daquele conflito. Alem do incalculável prejuízo de vidas humanas (estima-se em cerca de 40 milhões de mortos), a infraestrutura das nações foi quase completamente destruída pelos intermináveis bombardeios aéreos sofridos.
"No início de junho de 1947, o secretário de Estado americano, general George Marshall, realizou um discurso na Universidade de Harvard, em que ofereceu ajuda dos Estados Unidos para a recuperação da economia europeia. Marshall afirmou que a recuperação dos países europeus era do interesse econômico americano, e uma forma de garantir estabilidade e paz globais. No discurso, não delineou um plano exato, e conclamou os países europeus a proporem o formato de um programa de auxílio."
O Plano de Recuperação Europeia (Plano Marshall) foi implementado em 17 países entre os anos de 1947 e 1951, em valor equivalente a algo em torno de 130 bilhões de dólares (atualizado para março de 2020). Os principais beneficiados foram: o Reino Unido (31 bilhões de dólares), a França (26 bilhões de dólares), a Itália (14 bilhões de dólares) e a Alemanha Ocidental (14 bilhões de dólares). Mesmo após a conclusão do Plano Marshall, o governo americano continuou a oferecer grandes volumes de auxílio financeiro ao continente por décadas.
Não se espera que em nível de perdas humanas o coronavírus iguale-se à segunda guerra mundial, mas já há um certo consenso de que a economia seja tão ou mais atingida nos dias de hoje, comparada ao período daquele triste episódio da história humana recente. A partir dessa constatação, não seria absurdo especular-se sobre uma versão moderna do Plano Marshall. Poderia ter como órgão coordenador a Organização das Nações Unidas (ONU) e principais financiadores os Estados Unidos e a China. O primeiro por ser a economia mais pujante do planeta e por isso mesmo com interesse direto em recuperar a movimentação de produtos e serviços entre as nações. A China, por ser a segunda maior economia entre todos os países, mas mais que isso por ter sido seu território o berço do vírus que atormenta a humanidade.
Contrariando algumas teorias da conspiração, estudo realizado por cientistas dos Estados Unidos, Inglaterra e Austrália e publicado no dia 17 de março último pela revista Nature Medicine, o novo coronavírus foi originado através de seleção natural, e não em laboratório. De qualquer modo, "o prefeito da cidade de Wuhan, epicentro da epidemia do coronavírus na China, assumiu parte da responsabilidade pela propagação da doença, e ofereceu sua renúncia. Em entrevista à televisão estatal chinesa, Zhou Xianwang afirmou que a resposta de sua administração ao surto 'não foi boa o suficiente'. O prefeito também admitiu que a divulgação de informações pelas autoridades da cidade foi 'insatisfatória'. Zhou ainda confirmou que pelo menos 5 milhões de pessoas deixaram a cidade antes de o governo decretar o isolamento, o que pode ter contribuído para a disseminação do vírus pelo país."
Por enquanto umas poucas vozes em nível mundial levantam-se para acusar a China de ter "desencadeado essa praga no mundo inteiro por sua desonestidade e sua falta de transparência e corrupção", como afirmou o Senador Republicano Tom Cotton em entrevista à Fox News. A própria alta liderança chinesa admite "deficiências" na resposta do país ao surto mortal do coronavírus. "A rara admissão veio do Comitê Permanente do Politburo, que pedia uma melhoria no sistema de gerenciamento de emergências da China" conforme veiculado pela rede de comunicação inglesa BBC.
Independente do que acontecerá, estou absolutamente convencido de que a superação desse desastre planetário descortinará um mundo melhor. Assim como o surgimento da AIDS mudou o comportamento sexual entre as pessoas incorporando o uso de preservativo, o lavar as mãos com frequência usando água e sabão, tornar-se-á um hábito consagrado. A consolidação do trabalho a partir de casa, um sistema de saúde mais estável e igual para todos e outras consequências poderão emergir desse "mundo melhor" que desejamos.